É preciso tratar o câncer sem esquecer do coração
02/02/2022, 10:14 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Em atenção ao Dia Mundial do Câncer, em 4/2, a SBC alerta para a importância da interação entre a cardiologia e a oncologia para a melhor evolução dos pacientes
As doenças cardiovasculares (DCV) e o câncer são as duas principais causas de morte no Brasil e no mundo. A cada ano, cerca de 18 milhões de pessoas morrem no planeta por problemas no coração e quase 10 milhões por tumores, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No país, esses números ultrapassam 380 mil óbitos por DCV e mais de 200 mil mortes em decorrência das neoplasias.
Trata-se de um relevante problema de saúde pública, por isso o impacto das terapias oncológicas em pacientes com e sem DCV tem sido alvo de recente atenção dos especialistas.
Com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população, é cada vez mais comum pacientes cardiopatas desenvolverem neoplasias. Além disso, as altas taxas de incidência e mortalidade em decorrência do câncer e das DCV e o surgimentos de novos medicamentos quimioterápicos mais eficientes nos tratamentos oncológicos, mas que podem causar danos ao coração como efeito colateral, surge a necessidade de se buscar novas fronteiras para mudar esse cenário de morbidade e mortalidade da população brasileira.
Em atenção ao Dia Mundial do Câncer, iniciativa global organizada pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), visando aumentar a conscientização e a educação mundial sobre a doença, além de influenciar governos e indivíduos a se mobilizarem pelo controle do câncer, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) alerta para a importância da interação entre a cardiologia e a oncologia para a melhor evolução dos pacientes.
O tratamento oncológico pode colocar o coração em risco de diferentes maneiras. Segundo a cardio-oncologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo, vice-presidente do Grupo de Estudos de Cardio-Oncologia da SBC e médica assistente do ambulatório de cardio-oncologia da Santa Casa de São Paulo, todo o sistema cardiovascular pode ser impactado não somente pelo tipo de terapia realizada, mas até mesmo pelo próprio câncer, devido ao próprio processo inflamatório da doença.
O risco de cardiotoxicidade relacionada ao tratamento oncológico varia de acordo com o tipo de câncer, de tratamento realizado e, principalmente, com os antecedentes de doença cardiovascular que o paciente apresenta. Estima-se que cerca de 33% dos homens ao serem diagnosticados com câncer de próstata já apresentam doença cardíaca associada, aumentando a possiblidade de complicações decorrentes do tratamento.
Além dos medicamentos quimioterápicos orais ou endovenosos, a radioterapia também pode afetar o sistema cardiovascular. Quando aplicada na região do tórax, a radioterapia pode interromper o ritmo cardíaco normal, danificar o pericárdio (revestimento ao redor do coração) e as válvulas cardíacas. Além disso, a radiação pode acelerar o desenvolvimento de doença arterial coronariana precoce, o que pode aumentar a possibilidade de infarto, mesmo anos após o término da radioterapia.
“Enquanto alguns pacientes não apresentam sintomas, outros têm falta de ar, dor no peito ou diminuição da capacidade de se exercitar. As pessoas com câncer jamais devem deixar de receber o tratamento que podem fazê-los vencer a doença. Os recursos terapêuticos são cada dia mais eficazes e o maior desafio, agora, é como podemos administrá-los com segurança para prevenir as doenças cardíacas”, explica a especialista.
Nesse sentido, a atuação precoce do cardio-oncologista é fundamental para evitar sequelas irreversíveis no sistema cardiovascular e também para permitir que o tratamento do câncer seja continuado sem prejuízo ao coração.
“A interação entre a cardiologia e a oncologia contribui para a melhor evolução dos pacientes, tendo como objetivos principais a adoção de estratégias de prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento das doenças cardiovasculares nessa população.”, destaca Ariane.
Ela lembra que graças ao avanço das pesquisas na área, hoje é possível monitorar os pacientes de maior risco para cardiotoxicidade (o efeito tóxico do tratamento ao coração) e, com uma atuação preventiva, evitar complicações. Também é possível, em muitos casos, reverter a disfunção cardíaca que se desenvolve, garantindo a continuidade do tratamento oncológico.
Os cardiopatas também requerem cuidados especiais quando necessitam de tratamentos oncológicos, pois as terapias contra o câncer podem agravar a condição cardiovascular.
“Portanto, é necessário prevenir, diagnosticar e tratar as complicações da terapia oncológica, para garantir o tratamento oncológico adequado, ampliando as chances de cura ou dando maior qualidade à sobrevida desses pacientes”, afirma.
Importante especialidade
Para Ariane, apesar da importância da especialidade e dela crescer a cada dia, ainda há poucos cardio-oncologistas no país.
“Temos trabalhado juntos às equipes multidisciplinares não apenas para melhorar os resultados do tratamento do câncer, mas também as condições cardiovasculares e a qualidade de vida dos pacientes à medida que envelhecem”, ressalta a médica.
Hoje, medicamentos oncológicos têm sido desenvolvidos e liberados mais rapidamente e alguns deles podem afetar o coração de maneira inesperada. Seja devido às restrições da inclusão de pacientes com cardiopatia nos estudos clínicos de oncologia, seja ao processo de se acelerar o uso desses fármacos em casos de alto risco, já se sabe quão difícil pode ser detectar os efeitos colaterais ao coração antes que os remédios sejam liberados.
“Oncologistas e cardiologistas familiarizados com esse cenário do mundo real são os mais aptos a flagrá-los e propor medidas de proteção ao paciente”, garante Ariane.
As novas terapias estão ajudando os indivíduos a viver mais, mas isso significa que eles também podem precisar de tratamentos contra o câncer durante anos.
Muitos desses sobreviventes agora viverão o suficiente após o tratamento oncológico para desenvolver doenças cardíacas, observa a cardio-oncologista, que ressalta que ex-pacientes de câncer podem estar em risco de desenvolver doença cardíaca por até mais de uma década após a conclusão do tratamento.
“Por isso, é importante fazer um trabalho mais próximo aos pacientes, sensibilizando-os para ficarem alerta quanto aos sintomas e façam avaliações médicas periódicas”, orienta a cardio-oncologista.
Após o tratamento, a recomendação é que os pacientes com câncer devem pedir aos médicos um registro detalhado de suas dosagens de quimioterapia e radiação para discutir com o cardiologista. É importante também um trabalho de educação e informação junto aos pacientes, seus familiares e toda a sociedade, para conscientizá-los de que, ao enfrentar um tratamento oncológico, podem e devem tomar medidas preventivas de modo a diminuir o risco de complicações ao coração.