Ácidos graxos saturados podem aumentar risco cardiovascular
23/03/2021, 17:48 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Publicado pela SBC, novo Posicionamento sobre o Consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular norteia profissionais de saúde a traçar condutas mais assertivas e mostra a importância de se escolher padrões alimentares saudáveis e não valorizar alimentos de forma individual
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) seguem sendo o principal desafio de saúde pública em nível mundial. No Brasil, as doenças cardiovasculares, a obesidade, a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus tipo 2, isoladamente ou associados, acarretam a denominada síndrome metabólica e são responsáveis por mais de 70% da mortalidade na população brasileira.
Evidências científicas reforçam sobre a necessidade urgente de ações preventivas iniciadas nos primeiros anos e mantidas ao longo de toda a vida. A adoção de um estilo de vida saudável, livre de tabagismo, com reduzido consumo de álcool, associado à alimentação adequada e atividade física têm sido os pilares voltados à manutenção da saúde, prevenção e manejo das DCNT. Nesse conjunto de ações, a dieta exerce papel singular tanto pela capacidade em promover saúde, como, também, por contribuir para o desenvolvimento de múltiplos fatores de risco para as doenças crônicas.
Por isso, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publicou, em fevereiro, o novo Posicionamento sobre o Consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular de 2021 – documento que evidencia a importância da nutrição no contexto da saúde cardiovascular, atualizando a I Diretriz sobre o Consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular, publicada pela entidade, em 2013, que norteia o profissional de saúde a traçar condutas mais assertivas e baseadas nos mais atuais estudos clínicos.
A publicação elaborada por especialistas de todo o país, traz informações baseadas na ciência atual e tem como objetivo descrever os recentes avanços sobre as ações dos diferentes ácidos graxos, desde a sua influência na microbiota intestinal, metabolismo lipídico hepático e tecido adiposo até os principais aspectos relacionados com o risco e o controle das doenças cardiovasculares (DCV), de forma a orientar os profissionais de saúde a propor medidas dietéticas adequadas visando à prevenção e ao controle dessas enfermidades.
Disposto em 22 capítulos, o novo documento explica a classificação de lipídios, a relação dessas gorduras na ocorrência de doenças cardiovasculares, alimentos com maiores índices desse macronutriente em sua composição, a ligação entre o ovo e os lipídios, a rotulagem de ácidos graxos trans, o papel do ômega 3 e 6 na nutrição e recomendações e evidências de ácidos graxos com riscos cardiovasculares.
De acordo com a autora sênior da publicação, a cardiologista Maria Cristina de Oliveira Izar, professora livre docente do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a nutrição tem importante papel na gênese das DCNT. Além da quantidade, a qualidade dos alimentos que consumimos (em particular aqueles que são fonte de gorduras) participa tanto na patogênese das doenças cardiovasculares quanto na sua prevenção. Especialistas em todo o mundo têm elaborado, com base em evidências científicas, guias sobre o consumo de gorduras e proposto adequação das quantidades dessa substância, além de limitar o consumo de gorduras saturadas e trans.
"Tem-se priorizado avaliar e propor padrões alimentares mais saudáveis e não valorizar alimentos individualmente, com uma abordagem muito mais racional na prevenção cardiovascular, adequando-se o consumo calórico, a inclusão de grãos, frutas e hortaliças e a restrição de carboidratos refinados, alimentos ultraprocessados, priorizando-se gorduras mais saudáveis, em detrimento das saturadas e trans. O objetivo deste novo posicionamento é transmitir as melhores informações disponíveis para aprimorar a prática clínica em nosso país, de forma clara e objetiva, para a prevenção, o tratamento da doenças cardiovasculares e mostrar que mais importante que a quantidade de alimentos é a qualidade deles”, explica a médica.
Maria Cristina comenta que os primeiros trabalhos, publicados nos anos 1950, mostraram que o aumento do consumo de gorduras se associava significativamente a maior prevalência da aterosclerose (acúmulo de placas de gordura, cálcio e outras substâncias nas artérias). Os estudos preliminares baseavam-se na análise de dados populacionais a partir da utilização de inquérito alimentar, em que se avaliava o efeito da quantidade e dos tipos de ácidos graxos saturados (SAT) e insaturados (INSAT) sobre a mortalidade e as DCV.
Porém, a cardiologista e professora conta que as investigações na área da nutrição apresentam muitos resultados controversos, em virtude da inconsistência observada nos protocolos quanto ao tempo de estudo, população estudada, tamanho da amostra e tipo de nutriente utilizado como comparação.
“A substituição das calorias provenientes de SAT por poli-insaturados (POLI) e monoinsaturados (MONO) diminui o risco cardiovascular, enquanto resultado oposto é observado quando os ácidos graxos saturados são substituídos por carboidratos refinados, como o açúcar. Além disso, os SAT podem ser encontrados em ampla diversidade de alimentos, que variam em estrutura e composição, tais como carnes, leite e derivados, óleos e alimentos industrializados”, esclarece a especialista, que explica que é recomendado um limite de ingestão de saturados para uma dieta saudável.
Outro ponto importante que pode interferir na análise do papel dos ácidos graxos é o padrão alimentar no qual se inserem. Os SAT, de acordo com o novo posicionamento, podem se associar a efeitos deletérios do ponto de vista cardiovascular, quando inseridos em um contexto de dieta rica em açúcares e pobre em fibras, ao passo que, no contexto de modelo alimentar saudável, seu impacto negativo pode ser menor.
Mas Maria Cristina, que também é ex-presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC (biênio 2018-2019), revela que embora, de forma genérica, os ácidos graxos saturados se associem a maior risco cardiovascular, é importante salientar que nem todos os SAT elevam da mesma maneira a concentração plasmática de colesterol e o risco cardiovascular. Além disso, diversos estudos mostram que o aumento do seu consumo pode induzir aumento do bom colesterol (HDLc). No entanto, essa informação deve ser vista com cautela, pondera a cardiologista, “uma vez que essas partículas de HDL se enriquecem com proteínas inflamatórias, podendo diminuir a sua funcionalidade e prejudicar outras etapas, além do transporte reverso de colesterol”.
Padrão alimentar
A médica comenta que as diretrizes internacionais apontam para a importância do seguimento de padrões alimentares saudáveis, como o Padrão Mediterrâneo e a dieta DASH (Dietary Approach to Stop Hypertension). O Guia Alimentar para a População Brasileira também evidencia a importância do seguimento de padrões alimentares saudáveis e enfatiza que simplesmente estudar os nutrientes de forma isolada não esclarece por completo a influência da alimentação na saúde. Explica ainda que os benefícios devem ser atribuídos menos a um alimento individualmente, e mais ao conjunto que integra o padrão alimentar.
O Brasil fez parte dos 195 países que foram incluídos no estudo Global Burden of Disease Study 2017, cujo principal objetivo foi avaliar o impacto da alimentação sobre morbidade e mortalidade associadas às doenças crônicas não transmissíveis. Entre as principais causas de mortalidade cardiovascular atribuídas à dieta, destacam-se o alto consumo de sódio e gorduras trans e o baixo consumo de frutas, hortaliças, grãos e alimentos fontes de ácidos graxos poli-insaturados. Nesse estudo, o principal fator de risco alimentar associado à morbimortalidade cardiovascular no Brasil foi o baixo consumo de grãos, que, em nossa população, é representado principalmente pelo feijão.
Apesar do impacto deletério da gordura trans sobre o risco cardiovascular, o estudo “Informações sobre rotulagem de gordura trans em alimentos embalados brasileiros”, publicado em 2019, revela que um quinto dos alimentos empacotados ainda são preparados com este ácido graxo. Além disso, explica Maria Cristina, outros alimentos consumidos em lanchonetes em substituição às refeições, tais como salgados fritos ou assados, folhados, tortas, entre outros, são frequentemente preparados com trans. “Nesse sentido, a dieta praticada atualmente por parte dos brasileiros contraria as atuais recomendações internacionais sobre o seguimento de padrões alimentares saudáveis.”
Intervenção nutricional
Maria Cristina defende que a composição nutricional da dieta deve ser ajustada de acordo com os objetivos propostos para cada indivíduo, considerando as necessidades calóricas e preferências individuais e culturais. Diversas estratégias nutricionais são capazes de contribuir para prevenção cardiovascular, tendo como preceito a exclusão das gordura trans, adequação ao consumo de ácidos graxos saturados e, proporcionalmente, maior consumo de gorduras insaturadas, além de incentivo ao consumo de frutas, hortaliças e grãos integrais.
“A orientação nutricional deve capacitar o indivíduo quanto ao conhecimento da composição dos alimentos, especialmente os processados, uma vez que um mesmo produto pode apresentar variações na quantidade e tipo de nutrientes, especialmente gorduras, em função de seu fabricante”, orienta a cardiologista.
Nesse contexto, a especialista reforça que a adequada rotulagem dos alimentos se torna fundamental para os processos de educação nutricional e liberdade de escolha do consumidor. Também deve ser considerada a forma de preparo dos alimentos, pois quando fritos podem incorporar grande quantidade de gordura, aumentando consideravelmente o valor calórico.
“Importante enfatizar que óleos vegetais, fontes de ômega 3 e ômega 6, não devem ser substituídos por óleos tropicais (palma e coco), ou por gorduras de origem animal (banha e manteiga), por serem ricos em SAT e por não fornecerem quantidades adequadas de ácidos graxos essenciais à dieta”, reitera a cardiologista.
Por fim, Maria Cristina esclarece que se deve ter cautela quanto à recomendação do uso de suplementos alimentares que não tenham o seu benefício comprovado cientificamente.
“Estratégias não farmacológicas para redução do risco cardiovascular devem considerar as evidências disponíveis que apontem para benefício, segurança, custo, tolerabilidade, além de possíveis efeitos de interação fármaco-nutriente. O uso indevido de suplementos poder comprometer a aderência tanto ao tratamento farmacológico indicado como ao nutricional”, conclui.