Um olhar sobre a cardiomiopatia periparto, uma doença rara que atinge gestantes e puérperas
17/11/2023, 11:19 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Condição especial de manifestação clínica da insuficiência cardíaca potencialmente fatal
A insuficiência cardíaca atinge, aproximadamente, três milhões de brasileiros. Até 2030, estima-se que sua prevalência aumentará em 25%. Uma manifestação clínica curiosa da insuficiência cardíaca pode ser consequente à cardiomiopatia periparto (CMPP) que é pouco frequente e potencialmente fatal.
Segundo Walkiria Samuel Ávila, a CMPP se manifesta no período final da gestação ou nos meses subsequentes ao parto, com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e fração de ejeção reduzida (FEr), na ausência de outra causa.
Um artigo de revisão sobre a CMPP acaba de ser publicado na revista ABC Heart Failure and Cardiomyopathy, do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O levantamento Peripartum Cardiomyopathy analisa possibilidades de diagnóstico, tratamento e avalia medicamentos disponíveis para esta condição.
O diagnóstico da CMPP é feito por exclusão, já que a doença não possui um biomarcador específico, explica Walkiria, uma das autoras do estudo. “O diagnóstico torna-se difícil, porque os sintomas característicos do final de gestação e do período após o parto confundem-se com os sintomas da insuficiência cardíaca, acarretando um atraso no tratamento e uma pior evolução”, diz ela.
Além disso, ela acrescenta que durante o Congresso da American Heart Association, em 2023, foi apresentado um novo ensaio clínico com descobertas promissoras para a melhora do prognóstico da doença.
Walkiria explica que os pesquisadores testaram a efetividade do uso do estetoscópio guiado por meio de inteligência artificial associado ao eletrocardiograma convencional na detecção da fração de ejeção reduzida do ventrículo esquerdo entre gestantes e puérperas.
A cardiologista destaca que o estudo resultou na identificação do dobro de casos de CMPP quando comparado à consulta padrão com eletrocardiograma convencional.
Estudos genéticos podem auxiliar na estratificação dos riscos da doença, modificando o prognóstico a longo prazo. “Parece existir uma predisposição genética, porque tem se observado casos de CMPP agrupados na mesma família. Os estudos genéticos mostram variantes em genes que codificam as proteínas do sarcômero”, ela afirma.
A análise da sequência de genes associados à cardiomiopatia dilatada (CMD) identificou variantes genéticas presentes em 15% das mulheres com CMPP e em 17% daquelas com CMD, ambas significativamente mais elevadas quando comparadas à população controle.
No que diz respeito ao tratamento, o uso de medicamentos permitidos na gestação, tais como carvedilol, furosemida e hidralazina, é indicado em doses convencionais, o que também inclui o uso da cabergolina em pacientes graves (FEVE<35%).
“Recentes pesquisas têm apoiado o uso da cabergolina ou bromocriptina, ambos antagonistas da prolactina, pela capacidade de bloquear a sua produção, interrompendo um dos mecanismos envolvidos no processo patogênico da doença”, pontua a autora. Walkiria ressalta que medicamentos padronizados para o tratamento de insuficiência cardíaca, como os IECAs e BRAS, os antagonistas dos mineralocorticoides, o sacubitril-valsartana, a ivabradina e os DOACs (rivaroxabana, apixabana, edoxaban, dabigatran), são contraindicados durante a gestação. Contudo, eles podem ser prescritos durante o período de lactação.
Dentre os fatores de riscos da CMPP destaca-se a idade materna avançada, a ascendência afro-americana, os distúrbios hipertensivos da gravidez e as gestações múltiplas.
Grandes coortes globais anteriores são citadas no artigo, como o Investigations of Pregnancy Associated Cardiomyopathy (IPAC), e eles apontam para a prevalência e o prognóstico adverso da CMPP na raça negra.
Disparidades na incidência e prognóstico da CMPP na população afrodescendente são explicadas por características multifatoriais, incluindo mecanismos fisiopatológicos, substrato genético e condições socioeconômicas.
O artigo destaca particularidades da doença que contribuem para melhores chances de diagnóstico e tratamento. De acordo com Walkiria, os pontos que devem ser considerados prioritários são o diagnóstico precoce, o imediato tratamento otimizado da insuficiência cardíaca e o acompanhamento a longo prazo, visando à recuperação cardíaca e preservação da vida de uma jovem mulher.