Trombectomia Mecânica para o AVC no SUS
31/07/2020, 11:21 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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- Fernando Luiz de Melo Bernardi - Cardiologista Intervencionista, Hospital São Francisco, Concórdia, SC
Fundamentação: Após inúmeros ensaios clínicos randomizados publicados nos últimos 5 anos com resultados positivos, a trombectomia mecânica tem se consolidado como o tratamento de eleição para os casos de AVC isquêmico agudo com oclusão de grandes vasos cerebrais. Com o objetivo de avaliar a eficácia e segurança da terapia na saúde pública brasileira, foi realizado o estudo RESILIENT, financiado pelo governo brasileiro. O estudo foi recentemente publicado no New England Journal of Medicine(1).
Metodologia: O estudo RESILIENT foi um ensaio clínico randomizado multicêntrico realizado em centros brasileiro que atendem o SUS. Paciente com AVC isquêmico foram randomizados 1:1 para receber TM associado ao tratamento guiado pelas diretrizes (grupo trombectomia) ou para apenas tratamento guiado pelas diretrizes, sem a TM (grupo controle), incluindo a terapia com Alteplase nos pacientes elegíveis que chegavam com até 4,5h do início do quadro. Para a realização da TM foram utilizados cateteres de aspiração dedicados e/ou stents de captura de trombo (stent retrivers). Doze centros participaram do estudo. Os principais critérios de inclusão era: idade acima de 18 anos; AVC por oclusão de grande vaso intracraniano (artéria carótida interna intracraniana ou segmento M1 da artéria cerebral média ou ambos) que pudesse ser tratado em até 8 horas do início dos sintomas; escala de Rankin de 0 ou 1 previamente ao quadro de AVC, e; escore de NIHSS maior do que 8. Pacientes eram excluídos se apresentassem hemorragia intracraniana na tomografia computadorizada (TC), imagem sugestiva de grande infarto já estabelecido ou ausência de viabilidade no território do AVC através de TC ou ressonância magnética. O desfecho primário foi o grau de incapacidade em 90 dias através da escala modificada de Rankin.
Principais Resultados: O estudo foi interrompido precocemente devido eficácia da TM com a inclusão de 221 pacientes dos 690 planejados (111 no grupo TM e 110 no grupo controle). Aproximadamente 70% dos pacientes em ambos os grupos receberam tratamento inicial com Alteplase. A razão de chances para uma melhor distribuição de escores de Rankin modificado 90 dias após o evento foi de 2,28 (IC95% de 1,41 a 3,69, com P=0.001) em favor da TM. A porcentagem de paciente com escore de Rankin modificado menor ou igual a 2 em 90 dias, significando ausência ou déficit neurológico pequeno, foi 35,1% no grupo TM e 20% no grupo controle (diferença de 15.,1%, IC95% de 2,6 a 27,6%). Hemorragia intracraniana assintomática ocorreu 51,4% dos pacientes submetidos a TM e 24,5% no grupo controle. Hemorragia intracraniana sintomática ocorreu em 4,5% em ambos os grupos. Como conclusão, o tratamento com TM em pacientes do SUS com AVC isquêmico agudo com até 8 horas de evolução foi superior ao tratamento padrão atual, resultado em melhor funcionalidade em 90 dias.
Impacto Clínico: O AVC é uma das principais causas de morte e incapacitação no Mundo e no Brasil. Nos últimos anos a TM se consolidou como a terapia de eleição para os casos de AVC isquêmico de grande extensão, aqueles cujos vasos alvos são de grande calibre, como a carótida interna intracraniana e o segmento inicial da cerebral média. No entanto, o custo da TM ainda é muito elevado, sendo esse um dos motivos da sua ainda não incorporação no SUS. Esse brilhante estudo brasileiro, demonstrando grande eficácia, associado a segurança e viabilidade da TM em hospitais da rede pública, é um passo fundamental para o convencimento das autoridades sanitárias em inserirem e disseminarem a TM na saúde brasileira.
No entanto, uma das principais barreiras que será encontrada, será a disponibilidade de neurointervencionistas para atenderam a grande demanda de AVC em escalas 24/7 em todo o território nacional. Como forma de resolver este empecilho, os cardiologistas intervencionistas, através de treinamento adequado e devidamente incorporados às equipes de neurologia, têm sido apontados como uma excelente opção, já que os serviços de hemodinâmica já contam com profissionais escalados em tempo integral para atendimento dos IAM com necessidade de Angioplastia Primária.
Assim como ocorreu com a terapia trombolítica, o tratamento do AVC isquêmico agudo segue mais uma vez os passos do tratamento do IAM, através da recanalização arterial endovascular de emergência. Este é um tema muito atual, sendo fundamental que os cardiologistas estejam familiarizados com o que há de mais avançado na terapia do AVC, uma vez que nossos pacientes frequentemente são vítimas dessa terrível doença. Sobre esse assunto, nas últimas semanas foi publicado no JACC: Cardiovascular Interventions um state-of-the-art, também com autores brasileiros. O objetivo desse manuscrito voltado para os cardiologistas, foi servir de introdução ao mundo do tratamento do AVC isquêmico agudo, traçando um paralelo entre as similaridades e diferenças da Angioplastia Primária no IAM e a TM no AVC(2), dando importante ênfase para o trabalho interdisciplinar entre as equipes de neurologia e cardiologia.
Referências Bibliográficas:
- Martins SO, Mont’Alverne F, Rebello LC, Abud DG, Silva GS, Lima FO, et al. Thrombectomy for stroke in the public health care system of Brazil. N Engl J Med. 2020;382(24):2316–26.
- Carvalho de Campos Martins E, Luiz de Melo Bernardi F, Maia Junior OT, Micari A, Hopkins LN, Cremonesi A, et al. Similarities and Differences Between Primary Percutaneous Coronary Intervention and Mechanical Thrombectomy. JACC Cardiovasc Interv. 2020;13(14):1683–96.
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