TAVI valve-in-valve para biopróteses cirúrgicas degeneradas com as últimas gerações de próteses
TAVI valve-in-valve para biopróteses cirúrgicas degeneradas com as últimas gerações de próteses

02/07/2020, 10:30 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30

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  • Fernando Luiz de Melo Bernardi - Cardiologista Intervencionista pelo INCOR de São Paulo

Contexto: A TAVI para substituição de biopróteses aórticas cirúrgicas degeneradas, procedimento denominado Valve-in-Valve (VIV), é uma técnica muito atraente devido ao elevado risco associado a retroca valvar cirúrgica nos pacientes idosos. Apesar das próteses de TAVI já serem usadas para procedimentos de VIV desde as suas primeiras gerações com resultados satisfatórios, ainda não existe na literatura um ensaio clínico randomizado demonstrando a sua superioridade ou não-inferioridade em relação a reoperação cirúrgica. Desta forma, por muito tempo essa técnica foi adotada de forma off-label para pacientes de risco cirúrgico muito elevado, suportado por dados de estudos observacionais. Com a evolução das técnicas e das próteses de TAVI em pacientes com Estenose Aórtica de valva nativa, espera-se também um avanço dos resultados dos procedimentos de VIV. No congresso virtual TVT (Transcatheter Valve Therapeutics), que ocorreu no mês de junho de 2020, dois grandes estudos observacionais avaliaram o desempenho clínico das próteses de últimas gerações de TAVI neste contexto da VIV.

Métodos dos Estudos: Ambos estudos utilizaram dados do registro norte-americano TVT da Society of Thoracic Surgeons/American College of Cardiology (STS/ACC). O primeiro estudo, apresentado pelo Dr. Amr E. Abbas, MD (Beaumont Hospital Royal Oak, MI), avaliou os resultados em 1 ano do procedimento de VIV com a prótese balão-expansível Sapien S3 (Edwards Lifesciences) em pacientes de risco alto, intermediário e baixo, e após, foi realizado uma comparação versus pacientes de TAVI em valva aórtica nativa com o mesmo dispositivo (1). Para a comparação entre os procedimentos foi utilizado pareamento por escore de propensão com 23 variáveis independentes a fim de equilibrar as características dos pacientes entre os grupos e reduzir vieses de confusão. O desfecho principal desse estudo foi mortalidade por todas as causas em um ano. No segundo estudo, apresentado pelo cardiologista intervencionista brasileiro, o Dr. Guilherme Attizzani (University Hospitals Cleveland Medical Center, Ohio), tratou-se de um estudo de braço único que avaliou desfechos em 30 dias e um ano de procedimentos VIV com a família de prótese auto-expansível Corevalve Evolut (Evolut R e PRO) (Medtronic) (2).

Principais Resultados: No primeiro estudo, de um total de 4276 casos, observou-se que o implante da prótese S3 foi realizada com sucesso em 98,9%, com um sucesso do dispositivo segundo os critérios de VARC-2(3) de 91,3%, necessitando de apenas 0,3% de conversão para cirurgia aberta. Em 30 dias, as mortalidades por todas as causas em pacientes com STS <4, entre 4-8 e > 8 foram de 0,9%, 2,2% e 4,3%, respectivamente. Já em 1 ano, as taxas de mortalidade foram 5,7%, 9,3% e 17,9%, respectivamente. Na comparação da curva de mortalidade em 1 ano (Kaplan Meier) dos casos de VIV versus casos de valva aórtica nativa pareados pelo escore de propensão, observou-se uma menor mortalidade no grupo VIV para todos as faixas de risco cirúrgico, conforme demonstrado na tabela 1:

Outro resultado muito importante foi a baixa incidência de necessidade de implante de marca-passo permanente nos pacientes submetidos ao VIV com a Sapien S3, o qual foi de apenas 2,1% em 30 dias e 3,2% em 1 ano para toda a população de VIV. Na avaliação ecocardiográfica, em 1 ano de seguimento o gradiente médio transvalvar dos casos VIV foi de 20,3 + 9,7 mmHg e apenas 1,3% apresentou regurgitação paravalvar moderada ou importante.

Quanto aos resultados do segundo estudo, onde foram avaliados um total de 5897 pacientes submetidos a VIV com as próteses Corevalve Evolut com uma média de STS score para mortalidade de 7,7 + 6,6, as mortalidades por todas as causas em 30 dias e 1 ano foram de 2,5% e 9,7%, respectivamente. Ocorrência de qualquer tipo de AVC em 30 dias e 1 ano foi de 2,2% e 2,9%, respectivamente.

Necessidade de implante de marcapasso permanente ocorreu em 4,9% dos casos em 30 dias e 7,0% em 1 ano. Na análise ecocardiográfica em 1 ano, o gradiente médio observado foi de 14,2 mmHg e regurgitação paravalvar moderada ou importante em apenas 2,1% dos casos.

Comentários: Ambos os estudos apresentados no congresso virtual do TVT demonstraram novamente, desta vez com as próteses de TAVI de última geração tanto do tipo balão-expansível (Sapien S3) como auto-expansível (Corevalve Evolut), que a VIV em pacientes com uma bioprótese aórtica cirúrgica degenerada é extremamente seguro e factível. No estudo com a Sapien S3, inclusive foi demonstrado uma menor mortalidade nos procedimentos de VIV em relação a paciente submetidos à TAVI em valva nativa, mesmo após pareamento para múltiplos fatores. No entanto, como se tratou de estudo retrospectivo, devemos levar em consideração possíveis vieses não mensuráveis antes de chegarmos a uma conclusão definitiva. Mesmo assim, esses resultados impressionam e nos dão uma maior tranquilidade para indicar a TAVI VIV em nossos pacientes da prática clínica, especialmente naqueles onde a realização de uma nova cirurgia cardíaca aberta é indesejável.

Importante mencionar que ainda existem alguns desafios a serem contornados, principalmente relacionado ao desempenho hemodinâmico das próteses transcateter nesses casos de VIV. Como trata-se de um procedimento onde uma prótese é implantada por dentro de outra, os pacientes geralmente permanecem com um gradiente transvalvar aórtico mais elevado do que nos casos de valva nativa, podendo acarretar pior evolução clínica a longo prazo. Algumas técnicas têm sido empregadas para minimizar tal problema, como a utilização de próteses transcateter com válvulas suturadas em localização supra-anular (ex: Corevalve Evolut) e a ruptura do anel da bioprótese cirúrgica previamente implantada através de insuflação de balão com alta pressão. Apesar de, pelo menos parcialmente reduzir o gradiente final com o emprego dessas técnicas, ainda em alguns pacientes o procedimento de VIV não é factível, principalmente naqueles que permaneceram com uma desproporção prótese-paciente (mismatch) muito acentuado após a cirurgia cardíaca index. Portanto, é fundamental que os cirurgiões evitem ao máximo o mismatch pensando futuramente numa eventual necessidade de troca valvar, que poderá ser realizada de forma minimamente invasiva com a VIV.

Referências:

  1. Abbas AE. Valve-in-surgical valve with Sapien 3 for TAVR: propensity-matched analyses of real-world data. Presented on: June 20, 2020. TVT Connect 2020.
  2. 2. Attizzani A. TAVR with self-expandable supra annular valves for failed surgical bioprostheses: insights from the TVT Registry. Presented on: June 20, 2020. TVT Connect 2020.
  3. 3. Kappetein AP, Head SJ, Généreux P, Piazza N, Mieghem NM Van, Blackstone EH, et al. Updated standardized endpoint de finitions for transcatheter aortic valve implantation: the Valve Academic Research Consortium-2 consensus document. Eur Heart J. 2012;33(October):2403–18.
  4. #valvulopatias

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