SBC Entrevista - Otávio Berwanger
21/11/2022, 14:03 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Dr. Paulo Caramori entrevista Otávio Berwanger, recém nomeado ao cargo de Diretor Executivo no George Institute for Global Health do Imperial College London
Conforme anunciamos em nossa última edição, o Diretor do Comitê Científico da SBC, Paulo Caramori, realizou uma entrevista especial com Otávio Berwanger, recém nomeado ao cargo de Diretor Executivo no George Institute for Global Health do Imperial College London.
Profissional brasileiro respeitado mundialmente na área da pesquisa científica, Berwanger vem trabalhando há anos para colocar o Brasil como protagonista de grandes estudos clínicos. O professor é um especialista na exploração de modelos inovadores de ensaios clínicos, bem como na condução de estudos científicos de implementação eficiente.
Com sua nova posição, Berwanger espera contribuir ainda mais para que o Brasil passe a ser “uma engrenagem importante” nos estudos clínicos globais.
Confira a entrevista na íntegra:
Paulo Caramori: Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória e como o interesse sobre pesquisa foi despertado. O que te levou a seguir este caminho?
Otávio Berwanger: Sou originário do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Eu fiz a minha formação na antiga Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre, que agora é a Universidade Federal de Ciências da Saúde. Depois fiz residência no Clínicas, lá no HCPA, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Depois, fiz o meu doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na área de Epidemiologia Clínica.
Durante o doutorado, também tive a oportunidade de ter uma experiência na Inglaterra, na Universidade de Oxford, onde eu fui exposto à pesquisa clínica de larga escala. Então, ali eu tive uma formação importante.
Porém, eu comecei a ler, muito cedo na minha vida, ainda como estudante, livros de metodologia científica, de medicina baseada em evidências. Até isso ficar quase o que a gente chama de second nature. Eu incorporei muito rápido por ler diariamente esse raciocínio clínico epidemiológico. Isso foi um direcionador importante.
Gostaria de mencionar duas pessoas que eu acho que sempre vale a pena reconhecer e citar, que tiveram uma influência importante nesse processo. Um foi o professor Flávio Fuchs e o outro foi o Bruce Duncan. São pessoas que eu tenho como pessoas direcionadoras. Ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Também, eu tive a oportunidade de ver em algumas instituições lá fora, por exemplo, na Universidade de Oxford e também no Brigham and Women's Hospital, na Harvard, que existia um tipo de profissional que não apenas a interpretava os Clinical Trials de larga escala, mas também desenhava os estudos, chamados Clinical Trialist.
O Clinical Trialist é o profissional que faz os Clinical Trials, que desenha, coordena e publica. Eu olhei aquilo e foi inspirador, eu disse, “é isso que eu quero fazer na minha vida”.
Paulo Caramori: Como foi colocar tudo isso em prática no ambiente brasileiro?
Otávio Berwanger: Eu comecei a buscar oportunidades para fazer isso. Apesar de ter feito também prática clínica, eu sempre, muito cedo da minha vida, comecei a trabalhar como um Clinical Trialist. E procurei sempre até mais ser um Clinical Trialist do que puramente um cardiologista assistencial.
Depois que completei o doutorado, pós-doutorado e essa exposição no exterior, eu trabalhei um tempo no Instituto Dante Pazzanese de cardiologia em São Paulo. Na época, existia um centro coordenador de estudos clínicos dentro do Dante. Ali eu comecei a me dedicar a esse tipo de atividade, à coordenação de Clinical Trials e desses estudos do ponto de vista regional aqui no Brasil, bem como estudos de larga escala internacional e algumas iniciativas locais, mas que já eram multicêntricos.
Eu comecei a entender ali como os grandes centros coordenadores internacionais trabalhavam, as chamadas AROs, Academic Research Organizations. Mais tarde, o doutor José Eduardo Souza conversou comigo e disse que gostaria de montar um centro de pesquisa clínica importante no HCOR, na época o doutor Adib Jatene era o diretor geral do HCOR. Obviamente o foco na época era a área cardiovascular.
Paulo Caramori: Antes do HCOR, era ainda uma função part time ou você já era full time neste trabalho com pesquisa?
Otávio Berwanger: Não, eu já era 80, 90% do meu tempo research. Eu tive muito claro e cedo esse foco. Acho que isso foi um diferencial, pois eu tinha que me especializar nisso, novamente inspirado pelo que eu tinha visto lá fora. As pessoas de sucesso nesta área tinham uma dedicação para isso.
No HCOR, tive muito apoio do doutor Eduardo e o doutor Adib, duas pessoas importantes nessa trajetória. Começamos a montar projetos e uma das coisas diferenciais foi formar pessoas em pesquisa clínica no HCOR.
Uma das grandes questões ali, e que foi um divisor de águas na minha carreira, foi o fato de que eu pensei que não adiantava apenas fazer a coordenação regional ou nacional de iniciativas que vinham de fora, mesmo que a gente participe intelectualmente dessas iniciativas, precisavamos ter um protagonismo.
Nos Congressos internacionais, eu olhava sessões de late-breaking trials e eu não via trials brasileiros. Por isso, essa iniciativa de protagonismo brasileiro, é importante, quer dizer, ter trials brasileiros que possam ter essa filosofia de ser o protagonista.
Paulo Caramori: Qual foi o primeiro grande estudo brasileiro que entrou como um Trial?
Otávio Berwanger: Um estudo que eu acho que foi bacana, de 2010, no Circulation. O estudo ACT testou N-acetilcisteína para prevenção de nefropatia induzida por contraste de lesão renal no paciente que tinha intervenção coronária percutânea. Foi o maior estudo na época testando essa questão. Foram praticamente 50 centros no Brasil, 2300 pacientes e na época existiam já quase 40 estudos no mundo, mas que juntos não davam mais de 900 pacientes.
Paulo Caramori: Após a experiência no HCOR, qual foi a próxima etapa?
Otávio Berwanger: Em 2017, recebi um convite para montar uma Academic Research Organization de maior porte no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. O Einstein era uma instituição que estava buscando inovar em várias frentes. Além da questão de assistência, o Einstein tinha um braço muito forte na área de ensino, com a Faculdade de Medicina e várias outras iniciativas. Eles achavam que era possível incrementar a área de pesquisa, incluindo essa parte de liderança e publicação de alto impacto de Trials.
O projeto do Einstein era um projeto muito grandioso, era uma iniciativa maior.O projeto do Einstein me atraiu por ser mais amplo, com essa possibilidade de a gente linkar com a inovação e a forma de pensar grande do Einstein. No HCOR o meu foco foi muito cardiológico.
Porém, no Einstein, existem outras áreas importantes como a oncologia, hematologia, neurologia, imunologia, ou seja, teríamos a capacidade de fazer pesquisas maiores e também com várias outras disciplinas. Então, fui o responsável pela implementação da Academic Research Organization do Einstein que hoje, no cenário nacional, é a maior tendo 103 funcionários.
Alguns destaques que tivemos, por exemplo, no Einstein, foi o programa Optimal - de ótimo em inglês - com dois braços um com 9.500 e um segundo com 4.500 pacientes, quer dizer, somando são 14.000 doentes, que é o maior programa de ensaios clínicos em hipertensão do mundo. Também, fomos muito ativos em fazer trials em Covid-19 também e a publicação desses nas melhores revistas do mundo, como o New England Journal of Medicine.
Paulo Caramori: Recentemente, você foi convidado para ocupar a Diretor Executivo no George Institute for Global Health do Imperial College London. Quais foram os motivos que o levaram a aceitar este desafio? Como isto inclui o Brasil nas pesquisas globais?
Otávio Berwanger: Eu acho que a grande beleza dessa parceria é essa visão global que o projeto vai ter, na qual o Brasil vai estar totalmente inserido. Eu acho que o meu papel é garantir que o Brasil seja inserido não apenas como mais um, mas como uma parte importante dessa engrenagem. Então, eu queria deixar claro para as pessoas que eu não estou dando as costas para o Brasil e, como eu falei, eu vou manter vínculos aqui no país.
Apesar de eu estar alocado na Inglaterra, a ideia não é agora parar de olhar no Brasil e olhar só para dentro da Inglaterra. Claro que a Inglaterra vai ser muito importante nisso. Mas a ideia não é olhar apenas para o Reino Unido, mas ter uma visão global dos estudos.
Paulo Caramori: Otávio, tenha certeza de que respondendo pela SBC nesse momento, a nossa sociedade certamente terá o maior interesse em manter não só o contato contigo, mas desenvolver futuras parcerias com as instituições e com todo o sistema que de fato que vais representar.
Otávio Berwanger: Contem comigo! Estou ansioso pelo que faremos em breve!