Rivaroxabana após o implante percutâneo de valva aórtica (TAVI) - resultados do estudo GALILEO
13/02/2020, 16:24 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Revisor:
- Humberto Graner - Universidade Federal de Goiás
Fundamentação: o implante de valva aórtica transcateter (TAVI) seguramente revolucionou o tratamento da estenose aórtica grave. Mesmo com quase uma década de resultados consistentes, ainda existem dúvidas sobre alguns aspectos do dispositivo a longo prazo, incluindo o risco de complicações tromboembólicas e deterioração da válvula. Dados observacionais sugerem que a trombose subclínica de folheto pode ocorrer com válvulas bioprotéticas, e que esse fenômeno está associado a um risco aumentado de eventos tromboembólicos. As diretrizes atuais recomendam a dupla antiagregação plaquetária após TAVI, embora isto seja baseado em consenso de especialistas. O estudo GALILEO procurou avaliar se a anticoagulação de rotina em pacientes submetidos ao TAVI impediria a trombose de folhetos e melhoraria os resultados clínicos.
Metodologia: neste estudo, os pacientes foram randomizados na primeira semana após TAVI (2º dia, na mediana) para rivaroxabana 10 mg/dia + aspirina 75-100 mg/dia (n=826) versus clopidogrel 75 mg/dia + aspirina 75-100 mg/dia (n=818). Após 90 dias, o primeiro grupo seguiu usando apenas a rivaroxabana, e o segundo grupo apenas a aspirina.
O desfecho primário de eficácia foi o composto de morte por qualquer causa ou eventos tromboembólicos (AVC, IAM, trombose valvar, embolia sistêmica, TEV). O desfecho primário de segurança foi o composto de hemorragias ameaçadoras à vida, incapacitantes ou graves.
Principais Resultados: o estudo foi encerrado prematuramente devido às preocupações com a segurança. Sobre a população incluída, a idade média foi de 80 anos, 49% eram mulheres, e 47% tinham insuficiência cardíaca. A mediana de seguimento foi de 17 meses. A prótese mais implantada foi a Sapien 3 (47%), seguida pela Evolut R (25%).
O desfecho primário de eficácia ocorreu em 12,7% no grupo rivaroxabana e 9,5% no grupo clopidogrel (p=0,04). Sangramentos importantes (desfecho primário de segurança) foi observado em 5,6% no grupo rivaroxabana, em comparação com 3,8% no grupo clopidogrel (p=0,08).
Não houve diferença significativa na mortalidade cardiovascular, mas morte de causa não cardiovascular foram observados em 3,5% no grupo rivaroxabana versus1,3% no grupo clopidogrel (p<0,05).
Também foi publicado uma sub-análise (pré-especificada) para avaliar a trombose de folheto. A proporção de pacientes com ≥1 folheto da prótese com movimento limitada foi de 2,1% com a estratégia baseada com rivaroxaban versus10,9% com o clopidogrel (p=0,014).
Conclusão: entre os pacientes submetidos a TAVI, uma estratégia baseada em rivaroxabana não foi eficaz na prevenção de eventos cardiovasculares adversos importantes em comparação com uma estratégia baseada em clopidogrel. De fato, o estudo foi encerrado antes do previsto devido às preocupações com a segurança. A estratégia baseada em rivaroxabana foi associada a um aumento tantos nos eventos adversos cardiovasculares, quanto nas complicações hemorrágicas e mortalidade por todas as causas.
No entanto, o sub-estudo de trombose de folheto revelou uma menor incidência de trombose de folheto com rivaroxabana. O mecanismo para esses achados inesperados é desconhecido, especialmente à luz do subestudo de trombose do folheto. Não se sabe se o uso de diferentes doses de rivaroxabana poderia proporcionar resultados mais favoráveis para esta estratégia.
Impacto Clínico na Opinião do Revisor: este é um estudo que aborda a combinação de dois tratamentos modernos na ciência cardiovascular: anticoagulantes orais de ação direta (DOAC) e TAVI. Embora muito esperada, as conclusões do estudo podem não ser definitivas. Afinal, como o cardiologista deverá interpretar esses resultados tão díspares (redução na evidência de trombose de folheto mas com piores desfechos clínicos)? Seria a trombose do folheto valvar apenas um achado de imagem sem consequência clínica? Os riscos de se tentar reduzir a incidência de trombose do folheto superam os benefícios?
Se simplesmente aceitarmos esses resultados e não mais utilizarmos DOAC após TAVI, corremos o risco de ignorar uma estratégia potencial para melhorar desfechos a longo prazo. Por outro lado, podemos questionar se os principais eventos adversos estavam realmente relacionados ao anticoagulante oral direto. Por exemplo, a maioria das mortes no grupo rivaroxabana foi súbita ou de etiologia não cardiovascular, e apenas uma minoria faleceu por complicações hemorrágicas. Além disso, 37% dos pacientes interromperam a rivaroxabana durante o estudo, e a maioria das mortes ocorreu algum tempo após a descontinuação do medicamento. Na análise “on-treatment”, não foi observado um risco desfavorável entre os usuários de DOAC. Além disso, podemos ainda considerar os resultados do estudo primário como uma falha dos componentes metodológicos do estudo - por exemplo, talvez a dose e duração do uso de rivaroxabana não sejam as ideais, ou o uso concomitante de aspirina seja um problema, ou a população incluída tenha sido de maior risco para a esta associação antitrombótica.
No geral, os resultados discordantes do GALILEO levantaram mais perguntas do que as respostas clinicamente relevantes. Mais estudos serão necessários para resolver algumas dessas questões antes de descartar completamente o benefício dos DOACs após TAVI. Mas, até obtermos novas e diferentes respostas, devemos abster-nos do uso rotineiro de DOACs após TAVI.
Referências:
- Dangas GD, Tijssen JG, Wöhrle J, et al., on behalf of the GALILEO Investigators. A Controlled Trial of Rivaroxaban After Transcatheter Aortic-Valve Replacement. N Engl J Med 2020;382:120-9;
- De Backer O, Dangas GD, Jilaihawi H, et al., et al., on behalf of the GALILEO-4D Investigators. Reduced Leaflet Motion After Transcatheter Aortic-Valve Replacement. N Engl J Med 2020;382:130-9;
- Nishimura RA, Holmes DR Jr. Treatment After TAVR — Discordance and Clinical Implications. N Engl J Med 2020;382:193-4.
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