Radi Macruz: o legado de um ícone
01/12/2020, 17:26 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Radi Macruz, Professor Associado do Departamento de Cardio-Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, faleceu em São Paulo em 30 de novembro de 2020, com 95 anos
Nasceu em 05 de julho de 1925 em São Paulo, filho dos libaneses Kalil e Nini Macruz, para se tornar, após formação acadêmica em Medicina na FMUSP, no grande médico pioneiro de muitos avanços caracterizando-o como um dos ícones de maior relevância. Era idealizador, na perseguição da dinâmica mais adequada da ciência e das descobertas científicas.
Sua trajetória acadêmica foi calcada sempre no conhecimento profundo e no progresso da ciência cardiológica como um todo.
Cursou Medicina na Universidade de São Paulo, onde iniciou em 1946, estimulado pelo pai que salientava a importância do médico na sociedade. Apesar da Matemática, sua paixão desde jovem, que melhor conhecia por seus estudos nas escolas do interior de São Paulo, onde morou com mais 10 irmãos, além dos sete primos agregados de seu tio paterno.
No entanto, no seu desenrolar profissional foi a Matemática que influenciou sua trajetória científica na Cardiologia, interligadas em muitos aspectos. Nessa dinâmica, resultou a criação do índice que leva seu nome, do intervalo PPR do eletrocardiograma, na caracterização das sobrecargas atriais.
Havia na sua percepção de que não há Medicina sem humanismo, de que a paixão da vida era a descoberta das diferentes coisas, de que a massa crítica desenvolve o pensamento e o desenvolvimento, de que a lógica atinge a verdade, de que o espírito da pesquisa nada mais é do que a própria indagação, de que a paixão era desvendar os mistérios da natureza.
Com todo esse direcionamento de vida, iniciou-se na procura do entendimento da Cardiologia Pediátrica, especialidade que suscitava muita dificuldade diagnóstica e terapêutica, principalmente nas décadas de 1950 a 1980. Desenvolveu-a neste período, em conjunto com Munir Ebaid, tendo se tornado um dos responsáveis pelo reconhecimento mundial nessa especialidade, como um dos ícones brasileiros. Tal era seu conhecimento que todos o procuravam no discernimento das dificuldades de conduta. Quando daí iniciava suas visitas médicas, sempre com muita afluência de pessoal interessado, ao adentrar a enfermaria no Hospital das Clínicas ou no Instituto do Coração, apagava as luzes e daí se referia que "a luz havia chegado". Não foi daí de se estranhar quando em 1983 lançou o livro sobre “Cardiologia Pediátrica” em conjunto com a Dra Raquel Snitcowsky pela Editora Sarvier. Enveredou pelo campo geral da Cardiologia e sua procura era tal que associava a localização da dor torácica à artéria coronária acometida, além de bem estabelecer a distribuição espacial dessa circulação. Nessa procura jocosamente comentava que obstrução de artérias coronárias também provoca a presença de sopro cardíaco no tórax. Mesmo dessa afirmação não reconhecida, se tornou o exemplo por sua procura incessante. O livro sobre “Cardiopatia Isquêmica-Aspectos de Importância Clínica” se expressou de grande informação, como coautor com sua esposa Valéria Bezerra de Carvalho, da Editora Sarvier, em 1989.
Como pioneiro e para acentuar sua característica como marcas históricas, propôs a realização de um transplante cardíaco em São Paulo, não realizado por impedimentos legais da época, um ano antes do sul-africano Christian Barnard ter realizado a primeira cirurgia no mundo. Sempre de mãos dadas com o progresso, estimulou o cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini, a realizar a primeira cirurgia no infarto do miocárdio em 1970, além de ter se envolvido com as primeiras desobstruções de artérias coronárias, através o uso do laser em 1976. Neste ínterim, por envolvimento para mais descobertas no campo cirúrgico, o cirurgião destacado Adib Jatene o denominava como “um dos pais da cirurgia cardíaca no Brasil”. Através a intromissão em outros campos, como clínico perspicaz que era, permitia que abertamente comentasse a todos de que “se a cirurgia fosse difícil seria ela realizada pelos clínicos”. Foi também pioneiro na introdução da ecocardiografia no nosso meio em 1970, tendo daí facilitado sobremaneira aspectos diagnósticos, principalmente na cardiologia pediátrica que sofria mudanças consistentes, principalmente no âmbito diagnóstico e terapêutico, clínico e cirúrgico.
Ademais, participou ativamente na construção do Instituto do Coração inaugurado em 1978, que se tornou outro apêndice de realce científico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Construiu junto com Luiz Décourt, Fúlvio Pillegi, João Tranchesi, E J Zerbini, Geraldo Verginelli, Delmond Bittencourt, Egas Armelin, dentre outros, a fase áurea da Cardiologia e os frutos hoje são colhidos por tantos discípulos que se tornaram nomes também de realce, na representatividade atualmente do próprio Professor Titular da Cardiologia, na expressão do Prof. José Antonio F. Ramires.
Na complementação de seu poderio cultural foi autor do livro que chamou a atenção na caracterização de sua capacidade, ao aproximar realmente a Matemática, sua paixão declarada, à Medicina. Esse título ,“Matemática da Arquitetura Humana – Idiometria Humana – Novos Rumos da Normalidade”, define a tese de definição dos padrões de normalidade e daí compreender de forma adequada o funcionamento do corpo humano, guiado pelas regras da Matemática. E ele explica que “normal é o que tem que ser, é a verdade a ser atingida: não pode ser um intervalo; é um e somente um número e para obtê-lo é preciso conhecer a variável explicativa, áurea, dominante e, logo, universal e básica”.
É a partir desses conceitos que Macruz explica o que significa normalidade, define o que é normal, para então mostrar o que tratar, quando tratar e onde tratar, levando em conta a variação racial, cultural e alimentar, influenciada pela percepção.
Radi Macruz, sua vida foi pródiga em realizações, decorrentes da lógica, em meio à ética médica e humana, e a sua colocação “ENTENDEU BEM ? nos fica como a pergunta da procura em prol da verdade e da assertiva. Saudades...
Edmar Atik
Professor Livre-Docente de Cardiologia da FMUSP
O texto de Edmar Atik resume, com reverência e tristeza, a vida de um médico brilhante, incansável em pensar soluções para diferentes cardiopatias, não era um cientista mas, um médico com ótima formação e que se utilizava de conhecimentos de diferentes áreas em busca de entender ou tratar doenças cardíacas. Assim, ele envolvia matemática, física, biologia e filosofia, enxergando o mundo e a medicina de uma forma ampla e abrangente, sem contudo tirar do médico a responsabilidade de cada vez procurar saber mais e mais do paciente e da doença que o acometia. Nunca sentiu-se satisfeito com o que existia e, por esse motivo, brincava ao dizer “a luz chegou” expondo idéias que, muitas vezes pareciam absurdas mas, ao longo dos anos vieram a existir como soluções da prática clínica. Revascularização precoce no infarto agudo do miocárdio, tratamento cirúrgico de algumas cardiopatias congênitas complexas, transplante cardíaco, uso do laser em cardiologia e o mais importante, o raciocínio clínico para estabelecer o diagnóstico. Era um dos raríssimos médicos que não tinha receio de expor seu modo de pensar numa discussão clínica, quando muitas vezes alguém achava absurdo e, mais tarde, se curvava à luz que brilhou.
Macruz esteja certo que você marcou gerações que jamais o esquecerão e toda vez que entrarmos na sala de aula do Incor, denominada Sala Macruz, a luz estará acesa com o brilhantismo de raios de luz deixados por você.
Jose Antonio Franchini Ramires Professor Titular de Cardiologia Instituto do Coração