O índice de desenvolvimento humano de uma região pode predizer os desfechos dos seus pacientes?
11/04/2023, 18:20 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Um estudo realizado por um grupo brasileiro investiga a associação entre o IDH e a mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis
A relação entre doenças crônicas não transmissíveis e os fatores de risco que levam a essas doenças não é uma relação tão linear. Não é possível explicar, puramente pelos fatores, o comportamento da mortalidade por essa doenças. A partir daí o grupo de pesquisa em Epidemiologia das Doenças Cardiovasculares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob coordenação da professora Glaucia Moraes, se dedica para realizar estudos a respeito do tema.
A análise mais recente desenvolvida pelo grupo resultou no artigo Associação entre a Mortalidade por Doenças Crônicas Não Transmissíveis e o Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil entre 1980 e 2019, que acaba de ser publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC Cardiol), periódico da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
O estudo tem o intuito de tentar achar outros fatores de risco para essas doenças além dos fatores tradicionais. Estes, representados por uma série de condições: “os fatores de risco tradicionais para as doenças do aparelho circulatório (DAC) são aqueles já estabelecidos, como por exemplo, hipertensão, dislipidemia, diabetes, tabagismo…”, diz Paolo Blanco Villela, professor do grupo de estudos e um dos autores do artigo.
O estudo foi realizado com dois principais objetivos: entender o comportamento dessas doenças ao longo do tempo, e buscar a associação com fatores de risco não tradicionais, como neste caso, o fator socioeconômico.
“O primeiro ponto seria mapear o problema. Para saber intervir nessas doenças, precisávamos entender o seu comportamento ao longo do tempo. Depois, partindo de estudos prévios do grupo, buscamos entender se existia relação entre os fatores socioeconômicos com esse comportamento”, explica Paolo.
Os fatores socioeconômicos foram representados no estudo pelo índice de desenvolvimento humano (IDH). Para realizar o mapeamento e análise, foram reunidas taxas ao longo de 40 anos (entre 1980 e 2019), a respeito da mortalidade de pacientes por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).
“A partir das taxas de mortalidade brutas, nós fizemos a padronização, que consiste em tirar o efeito de uma determinada variável no resultado. Neste caso, padronizamos por idade”, diz Paolo.
O autor explica que a faixa etária é um fator muito relevante para esse grupo de doenças, já que, de maneira geral, elas acometem a população acima dos 50 anos de idade.
“Nas taxas de mortalidade brutas, regiões com uma menor expectativa de vida tendem a apresentar menores taxas de mortalidade por DCNT, mas isso não necessariamente é bom. Ao contrário, justamente porque as pessoas não chegam a atingir faixas etárias mais elevadas.”, complementa o autor.
Visando o segundo objetivo do estudo, também foi analisada a variação da mortalidade ao longo do tempo para cada região, de acordo com o seu IDH. Foram consideradas todas as 27 unidades de federação do país. Um resultado inesperado surpreendeu o grupo: “observamos que as unidades da federação que apresentaram os maiores aumentos no IDH também foram aquelas que apresentaram os maiores aumentos nas taxas de mortalidade”.
A partir disso, e outras análises, o grupo chegou em um esclarecimento. Paolo ressalta que não basta somente aumentar o IDH, mas ele precisa atingir um nível mínimo para causar impacto nas taxas de mortalidade. De acordo com os resultados encontrados aqui, este nível mínimo se aproxima de 0,7. Ele concorda que seriam necessários mais estudos nesse sentido para reforçar este achado.
“Encontramos que as UF que em 2010 apresentaram um IDH igual ou superior a 0,7, considerado bom, foram as que conseguiram demonstrar redução nas taxas de mortalidade ao longo dos anos”, diz Paolo.
Os maiores aumentos no IDH, como analisado, ocorreram em regiões cujo índice está longe de ser ainda o ideal.
“O objetivo do estudo é ser provocativo, causar uma reflexão para que políticas públicas sejam instituídas no sentido de melhorarem as condições socioeconômicas da população, para que tenhamos reduções consistentes nas taxas de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis. Já estamos trabalhando em outras análises com indicadores socioeconômicos e esperamos ter, em breve, mais resultados para ampliar este cenário”, finaliza Paolo.