“Nós, cirurgiões, somos como bailarinas. Devemos deixar o palco antes do primeiro tombo”.
11/05/2023, 12:04 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Compartilha Carlos Moraes
Em comemoração aos 80 anos da Sociedade Brasileira de Cardiologia, conheça a vida e profissão de um dos maiores pioneiros da cardiologia de Pernambuco
Carlos Roberto Ribeiro de Moraes é figura importante para a história da cardiologia do país e seu estado de nascença: Pernambuco. Com 82 anos de vida e 62 de associado da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), acumula uma história de muitas conquistas.
A vida do cardiologista, formado em Medicina em 1964 pela Universidade Federal de Pernambuco, comprova que certos talentos correm no sangue.
“O meu pai foi um dos primeiros cardiologistas de Pernambuco. Foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Sociedade Pernambucana de Cardiologia, Fernando Ribeiro Moraes”, compartilha.
A sociedade estadual citada é a segunda mais antiga da SBC. Surgiu apenas três anos depois da fundação da instituição nacional. Além do talento, o pioneirismo também corre na família Moraes. Carlos é responsável pelo primeiro transplante de coração realizado em Recife, na década de 80. Mas, anos antes, sua presença em eventos científicos e envolvimento com outros médicos cardiologistas, já apontava para uma trajetória de sucesso.
“Em 1966 eu ajudei a organizar o Congresso Brasileiro de Cardiologia realizado em Recife. Na ocasião, eu já trabalhava com Luiz Tavares da Silva e conheci outras personalidades, inclusive o doutor Euryclides Zerbini, pioneiro da cirurgia cardíaca no Brasil”, conta Carlos.
No final da década de 60, depois deste grato encontro, Carlos foi convidado por Zerbini para um estágio na cidade de São Paulo, onde estagiou no Hospital das Clínicas. Zerbini é o responsável pelo primeiro transplante cardíaco da América Latina, realizado em 1968.
Mais de vinte anos depois, Carlos não poderia imaginar que também seria pioneiro no procedimento, desta vez em seu estado natal: Pernambuco.
“Em 1991 fiz o primeiro transplante realizado em Recife e, junto com outros colegas, treinei uma equipe e fundei um programa de transplante que funciona, sem parar, desde aquela época. É algo que me traz muito orgulho porque até hoje, mais de trinta anos depois, nós nunca passamos 1 ano sem realizar um transplante”, ele relembra.
Outro ponto de destaque da vida profissional de Carlos foi o desenvolvimento de uma técnica de tratamento cirúrgica para a endomiocardiofibrose, doença que se caracteriza pela formação de fibrose dentro do coração e que afeta as válvulas cardíacas.
“Essa doença nunca tinha sido reconhecida no Brasil. Os primeiros casos estudados e identificados foram aqui em Recife. Depois disso, organizei um grupo de patologistas, descrevi a técnica e publiquei os resultados cirúrgicos no Brasil e também no exterior”, conta.
O estudo citado pode ser encontrado no portal da SciELO, Dez anos de cirurgia da endomiocardiofibrose: o que aprendemos?, e trouxe visibilidade mundial para Carlos. Saudosista, ele compartilha: “Eu me tornei conhecido no mundo inteiro por isso. Fui convidado para congressos mundo afora e chamado para demonstrações cirúrgicas em diversos países. Isso tudo para um cirurgião velho é motivo de muito orgulho”.
O cardiologista também é responsável pela fundação do Instituto de Coração de Pernambuco, o maior centro de cirurgia cardíaca da região, que inclusive conta com residência médica em cirurgia cardiovascular. Além de todos esses pioneirismos, foi professor da Universidade Federal de Pernambuco por 42 anos.
Quando perguntado sobre quantas cirurgias realizou ao longo da carreira, não hesita em responder: “Fiz mais de trinta mil cirurgias. Todas elas estão anotadas e guardadas em meu consultório. Se você disser que tem uma prima que foi operada por mim há quarenta anos, eu localizo as anotações e detalhes do procedimento facilmente e rapidamente”.
Carlos Moraes deixou de operar aos 80 anos de idade, mas continua ativo na profissão. Atende em seu consultório, na cidade de Recife, realiza ambulatórios e ainda colabora com os programas e instituições que ajudou a fundar.
Afastou-se da mesa cirúrgica antes do primeiro tombo, como explica com a metáfora de um amigo: “Um amigo cirurgião me disse uma vez que nós somos como bailarinas, devemos deixar o palco antes do primeiro tombo. Quando um cirurgião não achar que está realizando o procedimento com a perfeição que gostaria, não deve insistir”.