Especial Mês das Mães
11/05/2023, 12:12 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Entrevista com Maria Cristina Costa de Almeida, presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC
Em maio, é comemorado o Dia das Mães, data tão especial para as mulheres. Dessa forma, nosso jornal traz uma entrevista inédita com a cardiologista Maria Cristina Costa de Almeida, presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A médica é referência quando se fala sobre saúde cardiovascular feminina e o tema da entrevista não poderia ser outro: a saúde do coração e a gravidez.
Por isso, no papo, Maria Cristina fala sobre os distúrbios hipertensivos da gravidez, sobre a pré-eclâmpsia e a necessidade de acompanhamento cardiológico da mulher mesmo após o parto. Ainda, sobre o papel do médico obstetra para a identificação de alterações cardíacas durante o pré-natal, que podem ser confundidas com alterações normais da gestação.
Também comenta sobre a gravidez na adolescência, que tópico que ganhou destaque no recente “Posicionamento sobre a saúde cardiovascular nas mulheres”, publicado em 2022, devido à alta incidência no Brasil. Confira a entrevista completa:
Dra. Maria Cristina, entre os fatores de risco para as doenças cardiovasculares, em especial os que são diferenciados pelo sexo biológico, estão a doença hipertensiva na gravidez e pré-eclâmpsia. Pode nos falar um pouco sobre este fator de risco?
Os distúrbios hipertensivos da gravidez, principalmente a pré-eclâmpsia (PE), são situações que podem levar a risco futuro de doenças cardiovasculares na mulher, principalmente na pós menopausa. A PE é uma patologia que se inicia na fase de nidação placentária no útero, por invasão inadequada das artérias espiraladas na camada decídua, gerando lesão do endotélio dos vasos locais. Consequentemente, este processo desencadeia uma cascata inflamatória difusa, com acometimento sistêmico. Pode evoluir para casos graves como a síndrome HELLP, em que há aumento das enzimas hepáticas, anemia por hemólise e trombocitopenia, com desfechos dramáticos como lesão renal aguda e necessidade de diálise em casos extremos. Os riscos para o feto são muitos, desde morte intrauterina por descolamento de placenta até nascimento de bebês pequenos para a idade gestacional, ou prematuridade e seus riscos. As mulheres que tiveram pré-eclâmpsia podem vir a ser hipertensas mesmo após a resolução do parto. Outra complicação é a eclampsia, quando evolui para convulsão. Importante lembrar que tanto a PE quanto a eclampsia podem acontecer no pós-parto, e por isto estas mulheres não podem ser deixadas sem monitoramento no puerpério.
É sabido que a gravidez aumenta o risco de taquicardia. Dessa forma, a senhora acredita que gestantes devem passar pela avaliação regular do cardiologista? Isto já é feito no pré-natal ou não? Qual sua observação sobre esta realidade?
A gravidez leva a alterações hemodinâmicas importantes pela ação dos hormônios femininos de forma sistêmica, como a redução da resistência vascular periférica e aumento da volemia secundária à retenção hídrica. Tudo isso pode levar a aumento discreto da frequência cardíaca e predisposição a arritmias, geralmente benignas, não necessitando de tratamento com medicamentos antiarrítmicos. A gravidez é descrita como um “estado arritmogênico”, porém geralmente sem comprometimento da evolução da gestação. O mais comum são taquicardia sinusal e extrassístoles supraventriculares, mas podem ocorrer em menos frequentemente fibrilação atrial, extrassístoles ventriculares ou outras. O pré-natal deve ser realizado de forma sistemática e a avaliação do obstetra é suficiente para detectar distúrbios do ritmo cardíaco. Geralmente, o obstetra solicita a interconsulta com o cardiologista caso detecte alguma alteração. Importante lembrar que muitos sintomas da gestação se confundem com sintomas cardiológicos como palpitações, edema, fadiga e dispneia, principalmente no final da gravidez, com o crescimento do útero gravídico e elevação das cúpulas diafragmáticas, dificultando a expansão dos pulmões. Nestes casos, muitas vezes a própria gestante solicita uma avaliação cardiológica, mas rotineiramente não é necessário avaliação regular com o especialista.
Este é um grande problema de nível sociocultural e impacta o futuro das jovens, que na grande maioria não esperavam pela maternidade precoce. Em termos médicos, gestações em extremos de idade predispõem a más formações congênitas, maior risco de pré-eclâmpsia, eclampsia e outras complicações gestacionais. Geralmente, estas gestações não planejadas ocorrem em níveis sociais mais baixos em jovens usuárias de drogas ilícitas, tabagismo, álcool, ou que sofreram abuso sexual ou estupro, muitas vezes acompanhadas de infecções sexualmente transmissíveis.
Dra., pode nos falar sobre o diabetes gestacional e seus riscos para a saúde cardiovascular feminina e do bebê?
Esta complicação gestacional está relacionada a consequências materno fetais como risco de pré-eclâmpsia, macrossomia fetal, perdas fetais e evolução materna para diabetes e doenças cardiovasculares ao longo de sua vida. Mais uma vez o pré-natal adequado é importante para a detecção precoce, tratamento e prevenção de complicações.
Recentemente, a OMS decretou o fim da pandemia da covid-19. Apesar disto, ainda há casos de covid pelo Brasil e mundo. Dessa forma, sabe-se que a infecção e coronavírus afetam com grande gravidade as mulheres grávidas. Qual seria o direcionamento para os clínicos a respeito deste tema?
Felizmente, estamos no fim da pandemia, apesar de ainda existirem casos menos frequentes, e que evoluem de forma menos grave. Porém, gestantes portadoras de cardiopatia, diabetes e hipertensão são mais propensas a apresentar desfechos menos favoráveis e complicações graves. Não existem dados sobre a relação entre a infecção da gestante com más formações fetais, porém, pode ocorrer parto prematuro e morte fetal, como em muitas infecções virais. A infecção pelo covid-19 pode trazer complicações como doenças tromboembólicas e acometimento cardíaco materno como pericardite, miocardite e insuficiência cardíaca. Estes quadros podem ser agravados pelas condições hemodinâmicas da própria gravidez como a sobrecarga de volume e mais trabalho cardíaco nestas situações. Portanto, o importante é a prevenção: mulheres que planejam engravidar devem estar com as vacinações em dia e podem ser imunizadas mesmo durante a gravidez.