Dia Internacional da Mulher – 08 de março de 2023
08/03/2023, 14:19 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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O Dia Internacional da Mulher (08/03) é um período marcado por grandes reflexões no Brasil e no mundo sobre a ampliação da participação feminina em posições de liderança no mercado de trabalho.
Para tratarmos deste tema, convidamos a presidente do conselho administrativo da SBC, Andréa Araujo Brandão, para uma entrevista, que você pode ler em nosso portal.
1) A diversidade de gênero ganhou relevância no debate público, em especial desde o início deste século, quando se trata da equiparação por mérito nos aspectos de renda e posições de liderança. A senhora ao longo de sua trajetória tem visto esta discussão também Cardiologia?
Historicamente a medicina e a cardiologia, de uma forma geral, tinham predominantemente a presença masculina. Entretanto, observamos nos últimos anos um crescimento vertiginoso da participação feminina nos cursos médicos. Atualmente a presença feminina pode ultrapassar 70% nos cursos médicos em universidades públicas e privadas.
Podemos dizer que estamos em um período de transição, que pode se consolidar em uma predominância feminina nesta carreira em pouco tempo e em todas as faixas etárias. Este fenômeno, por sua vez, se reflete na Cardiologia que também poderá contar com uma participação cada vez maior de mulheres em seus quadros.
Na SBC já mapeamos essas mudanças. Hoje, em nosso quadro geral de sócios, temos, em média, 30% de mulheres. Por sua vez quando observamos o percentual de mulheres entre os sócios mais jovens, este percentual chega a cerca de 50% na faixa etária abaixo de 40 anos.
2) Um dos objetivos no novo modelo de gestão da SBC é ampliar a diversidade na composição societária da SBC, também incluindo maior participação feminina entre os sócios. De que maneira podemos trabalhar neste sentido?
O Conselho Administrativo da SBC, com base nos pilares de gestão estabelecidos pelo novo modelo de governança, vem atuando em todos os seus processos para ampliação da representatividade em nossa Sociedade, seja no aspecto regional, buscando maior participação de sócios de todas as regiões do país, assim como também temos concentrado esforços para aumentar a participação feminina.
Estas recomendações valem para os Departamentos, Grupos de Estudos, atividades científicas, indicações para composição de comissões, entre outras. Tentamos, desta forma, sempre manter a presença de pelo menos 30% de cardiologistas mulheres em nossas atividades. E é importante frisar que não estamos nos referindo a cotas e, sim, à representatividade. Procuramos compor as posições de liderança respeitando a diversidade de gênero por meio da presença de mulheres aptas, competentes e que dispõem de todo mérito para exercer as funções para as quais foram escolhidas. E não são poucas com estas qualificações.
Uma informação adicional importante, que merece ser compartilhada, é que hoje no nosso quadro de colaboradores administrativos e também nas nossas gerências, as mulheres já são maioria entre estes profissionais tão importantes para nossa gestão.
3) Além de se dedicar ao estudo dos impactos das doenças cardiovasculares na população feminina, o Departamento de Cardiologia da Mulher também atua em uma frente que busca a valorização da profissional cardiologista. Como funciona e qual a importância deste trabalho?
O Departamento de Cardiologia da Mulher (DCM) tem feito um trabalho primoroso nos últimos anos. Notamos grande relevância em suas atividades, com a realização de diversos eventos científicos, com a publicação de posicionamentos, campanhas, de fato uma agenda consistente que confere ao DCM grande representatividade.
Este departamento, podemos dizer, possui duas frentes de atuação. A primeira é se dedicar cientificamente sobre os impactos das doenças cardiovasculares na população feminina, incluindo a gestação. E isso é muito importante, pois, assim como ocorre entre os homens, as doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade entre as mulheres. A segunda frente se refere a ações voltadas para o desenvolvimento profissional e de liderança das mulheres cardiologistas. Trazer esta pauta da representatividade feminina na cardiologia é muito importante para equipararmos as lideranças por gênero, sempre valorizando o mérito.
Penso que é também muito importante envolvermos os homens neste tópico da representatividade feminina. É fundamental que eles participem, se envolvam, e percebam a importância da diversidade como fator um positivo para o desenvolvimento e fortalecimento da SBC e da nossa especialidade.
4) No mini editorial “Perfil dos Cardiologistas Brasileiros: Um Olhar sobre Liderança Feminina na Cardiologia e sobre o Estresse — Desafios para a Próxima Década”, publicado pelo ABC Cardiol (Arquivos Brasileiros de Cardiologia), em 2019, um dos principais achados foi a diferença salarial entre os gêneros feminino e masculino. Nas faixas de renda mais elevadas, foi verificada maior proporção de homens. Esta informação pode ser uma referência para buscarmos ações dentro da SBC e da sociedade como um todo buscando reduzir estas diferenças?
Na questão da equiparação salarial, tenho a expectativa de que à medida que as mulheres ocupem mais posições em cargos de liderança, os salários terão que se tornar mais equiparados. Entretanto, as diferenças salariais entre os gêneros ocorrem em muitas áreas profissionais, infelizmente e não podemos aceitar.
Conceitualmente, homens e mulheres devem ter as mesmas oportunidades sob o critério do mérito. Entretanto, temos uma questão cultural muito forte como pano de fundo. E isso vale para qualquer carreira. O fato é que em alguns momentos da vida, as mulheres não conseguem ter a mesma disponibilidade e competitividade que o homem, tendo em vista que precisam dispor de tempo para a maternidade e a família. Em um processo de inserção no mercado de trabalho competitivo, isso pode ser uma dificuldade, mas não representa barreira intransponível. Ao contrário, estes desafios podem representar aprendizado, crescimento e fortalecimento das mulheres e de suas relações com os homens no seu ambiente pessoal e profissional
4) A cardiologista americana, Nanette Wenger, referência neste tema, disse que existe um desafio global de aumentar a diversidade e a inclusão na comunidade cardiovascular para proporcionar oportunidades de liderança às mulheres. Como a senhora avalia esta afirmação e, na sua visão, o que pode ser feito no Brasil?
A SBC compartilha dessa visão da Dra. Nanette Wenger, que é uma referência neste tema, sendo pioneira neste debate há décadas. Além de uma importante contribuição científica, a Dra. Nanette Wenger exerce um papel muito importante n defesa e divulgação deste tema e é um exemplo para todas e todos os cardiologistas, mantendo-se atuante mesmo com mais de 90 anos de idade.
Por meio deste esforço da SBC e de seu Conselho Administrativo, temos atuado de forma muito alinhada com este propósito. E, como disse anteriormente, temos a convicção de que este é um processo em construção, à medida que as oportunidades sejam oferecidas e a representatividade da mulher for sendo ampliada, melhores condições de trabalho, condições salariais e a ocupação de posições de liderança surgirão.
6) A senhora inevitavelmente acaba sendo referência de liderança feminina por sua trajetória acadêmica, profissional, mas também por sua longa atuação no associativismo que se consolidou com a sua participação no Conselho Administrativo da SBC, mais especificamente agora na posição de presidente do Conselho. Qual mensagem a senhora deixaria no sentido de inspirar novas lideranças femininas?
O associativismo é uma atividade muito importante para o desenvolvimento da carreira do cardiologista, ainda mais considerando-se que temos uma sociedade médica bem organizada, sólida e ativa, e que neste ano completa 80 anos. A meu ver, representa um diferencial na carreira para homens e mulheres cardiologistas.
O associativismo permite acesso à educação médica continuada de qualidade, facilita a construção de bons relacionamentos com outros colegas e a troca de experiências, e fortalece iniciativas ligadas à qualidade e defesa profissional, questões que interessam a todos os cardiologistas. Os profissionais isoladamente não teriam essa mesma oportunidade se ficarem restritos a suas cidades, suas instituições, suas clínicas ou seus consultórios. Neste contexto, os cardiologistas que participam do associativismo conseguem imprimir um dinamismo muito diferenciado nas suas carreiras, com acesso a atividades muito diversas e que dão suporte ao crescimento profissional.
Felizmente, temos hoje muitas mulheres com papéis relevantes na condução das atividades dos diversos segmentos da SBC, mas precisamos crescer este número ainda insuficiente. Não podemos deixar passar oportunidades e precisamos responder a elas com trabalho e competência.
A minha trajetória no associativismo foi permeada por muitos desafios, trabalho, persistência e uma grande satisfação em exercer as responsabilidades de cada posição que ocupei na SOCERJ (Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro), no Departamento de Hipertensão Arterial (DHA) da SBC e em cargos diretivos da SBC ao longo dos últimos anos. Hoje, quando olho para essa jornada percorrida, sinto uma grande honra em estar ocupando a presidência do Conselho Administrativo. Esta é uma atividade que me mobiliza bastante, pois o meu compromisso institucional, a minha conexão com a Sociedade Brasileira de Cardiologia é muito grande, é de uma vida inteira. Escute a entrevista completa, versão podcast, aqui