De forma inédita no Brasil, estudo detalha percentis do risco cardiovascular por sexo e idade
13/06/2023, 15:49 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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A investigação não faz parte da estratificação clássica de risco das diretrizes atuais, mas traz importantes pontos sobre saúde cardiovascular
A estratificação do risco cardiovascular é uma etapa fundamental para orientar estratégias de prevenção de eventos clínicos. Entretanto, a expressão do risco absoluto pode ser de difícil interpretação pelos pacientes, comprometendo a conscientização e a adesão ao tratamento. Uma proposta para melhorar a comunicação é informar como o risco do paciente se compara ao risco de outras pessoas semelhantes.
Este procedimento pode ser feito calculando os percentis da distribuição do risco de doença cardiovascular específicos para sexo e idade. É a partir daí que o estudo Determinando percentis do risco cardiovascular aterosclerótico de acordo com sexo e idade numa população saudável brasileira, observacional e retrospectivo, publicado na ABC Cardiol, periódico da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), se desenvolve.
“Nós procuramos determinar percentis da distribuição do risco cardiovascular de acordo com sexo e idade numa amostra saudável da população brasileira que não tinha condições de alto risco que indicassem o uso de estatinas, conforme recomendações de diretrizes contemporâneas”, explica Fernando Cesena, cardiologista, pesquisador e autor do artigo.
O uso de percentis do risco cardiovascular calculado por sexo e idade não faz parte da estratificação clássica preconizada pelas diretrizes atuais. Existe apenas um estudo semelhante já publicado, que tem como primeira autora a cardiologista e pesquisadora Ann Marie Navar, compartilha Fernando.
“Este estudo determinou percentis do risco cardiovascular numa amostra representativa da população dos EUA e serviu como inspiração para o nosso estudo”, diz o pesquisador.
Os dados foram reunidos a partir do banco de atendimentos do Serviço de Check-up do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Foram incluídos indivíduos com idade entre 40 e 75 anos, atendidos entre 2010 e 2020 no local.
“Optamos por analisar somente os indivíduos para os quais as diretrizes contemporâneas recomendam o cálculo do risco cardiovascular em 10 anos por escores para guiar a decisão de recomendar ou não o uso de estatinas”, detalha Fernando.
Dessa forma, indivíduos que, por suas características, já possuem uma indicação para o uso de estatinas, não foram incluídos. Por exemplo, pessoas com diabetes mellitus ou LDL-colesterol acima de 190 mg/dL.
A seleção do grupo de pessoas analisadas mostra que o estudo se refere a uma amostra altamente selecionada, que não reflete a população geral do país. Outras especificidades da investigação também devem ser consideradas.
“Pelas características do serviço onde o estudo foi realizado, incluímos indivíduos saudáveis de alto nível socioeconômico. A ideia foi mostrar uma abordagem que possa ser replicada em outros cenários, sejam locais, regionais ou de representação nacional”, explica o autor.
Uma das aplicações do estudo é poder ajudar na conscientização de pacientes a respeito do risco cardiovascular, de uma forma mais prática e menos abstrata. Fernando acredita que este é o primeiro passo para melhorar a adesão ao tratamento recomendado, passo fundamental para a prevenção de eventos cardiovasculares e um grande desafio para cardiologistas.
“Pode ser difícil para o paciente entender o que significa um risco de infarto ou derrame de 10% em 10 anos, por exemplo. Por outro lado, é mais fácil o paciente entender e se conscientizar do risco se dissermos que, dentre 100 pessoas do mesmo sexo e idade, 90%, por exemplo, têm um risco menor. Ou seja, o paciente se encontra entre os 10% com maior risco dentre seus similares”, ele exemplifica.
Uma outra questão também se mostra muito importante ao analisar os percentis de risco e diz respeito à decisão de tratamento em pessoas mais jovens. Isso porque o estudo mostra que pessoas com risco calculado baixo em 10 anos, mas que estão em percentis elevados, frequentemente apresentam LDL-colesterol em níveis baixos para intermediários, e não são elegíveis para estatinas pelas diretrizes contemporâneas.
Fernando explica a questão que surgiu: “será que não seria melhor tratar mais agressivamente estas pessoas mais jovens com risco em 10 anos baixo, mas que estão em percentis elevados? Esta pergunta vem muito de encontro a uma discussão atual sobre a validade de se identificar e tratar com estatinas mais precocemente pessoas com risco de longo prazo elevado. Logicamente, o ideal seria termos ensaios clínicos randomizados para guiar o tratamento, mas isso nem sempre é viável no contexto de uma doença que se desenvolve por décadas”.
De forma geral, o estudo ajuda a identificar pessoas mais jovens com baixo risco em 10 anos que podem se beneficiar com um controle mais frequente dos fatores de risco cardiovasculares. E deixa questões abertas para investigações futuras, aplicadas em outras amostras e grupos de pacientes.