Coração feminino necessita de cuidados especiais
15/03/2021, 11:24 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Prevenção, combate aos fatores de risco e maior participação nos estudos são importantes no combate às doenças cardiovasculares nas mulheres
Com um novo papel na sociedade, as mulheres mudaram seu estilo de vida, com consequências diretas à saúde, aumento do risco e problemas cardíacos. Atualmente, as doenças cardiovasculares já ultrapassam as estatísticas de câncer de mama e de útero. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), respondem por um terço das mortes delas no mundo, com 8,5 milhões de óbitos/ano, ou seja, mais de 23 mil por dia. Entre as brasileiras, principalmente acima dos 40 anos, as cardiopatias chegam a representar 30% das causas de morte, a maior taxa da América Latina.
“Estima-se que a cada 12 minutos, no Brasil, duas mulheres morram em decorrência de doenças cardiovasculares. A prevenção é fundamental. A mulher paga um preço alto pela dupla jornada de trabalho, pelo planejamento familiar e devemos estar atentos a isso. A maneira mais correta de se conseguir uma prevenção eficaz é aumentando o espaço feminino e das cardiologistas no controle das políticas públicas, nas sociedades científicas e na tomada de decisão. Vamos ampliar a participação das mulheres, pois elas sabem cuidar e cuidar bem do coração”, destacou o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Marcelo Queiroga, no webinar “Celebrando o Dia Internacional da Mulher”, realizado pela entidade, no dia 8 de março, para comemorar a data que reconhece o esforço das mulheres e afirmar, cada vez mais, o seu papel na sociedade moderna.
O evento virtual, que foi uma realização do Departamento de Aterosclerose da SBC, com o apoio da Diretoria de Promoção da Saúde Cardiovascular da entidade, teve como objetivo destacar a importância das mulheres na cardiologia e nas discussões das doenças cardiovasculares, por isso o convite feito para a participação das especialistas renomadas Athena Poppas, presidente, e Dipti Itchhaporia, vice-presidente e presidente eleita, ambas do American College of Cardiology (ACC). “A participação das líderes do ACC qualifica ainda mais o nosso encontro e mostra que as médicas cardiologistas estão contribuído e muito para o fortalecimento da nossa especialidade, seja no âmbito da assistência, do ensino ou da pesquisa. A presença da cardiologista faz a diferença e é estímulo e empenho para que possamos mudar o cenário nacional e mundial da especialidade. E isso só será possível com a inclusão cada vez maior das cardiologistas em nossa profissão”, ressaltou Antonio Carlos Palandri Chagas, presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC e um dos moderadores do webinar.
José Francisco Kerr Saraiva, diretor de Promoção da Saúde Cardiovascular, que também moderou o debate, destacou ser muito importante que as médicas cardiologistas no Brasil e no mundo se unam para discutir e compartilhar oportunidades para melhorar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças cardiovasculares. “Juntas, poderão aprender com os desafios da cardiologia e identificar oportunidades e soluções para o futuro”, afirmou Saraiva, que ainda lembrou que “sem a resistência e a resiliência, características da mulher em tempos de guerra, os resultados da pandemia que enfrentamos seriam piores”.
A mortalidade por doença cardiovascular é proporcionalmente semelhante nos homens e nas mulheres, mas é necessário conscientizá-las de que essas enfermidades representam o dobro das mortes por todas as neoplasias associadas. Esse fato se reveste de maior importância pelo envelhecimento e adoecimento da população feminina.
De acordo com o professor da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais e governador do Capítulo Brasil do American College of Cardiology (ACC), Marcus Vinícius Bolivar Malachias, esses dados mostram que, “embora as mulheres já tenham se conscientizado sobre a importância da realização de exames preventivos para a detecção de doenças ginecológicas e do câncer de mama, por exemplo, ainda cuidam pouco da saúde do coração”.
Esse órgão no sexo feminino merece atenção e cuidados diferenciados, pelo fato de o coração da mulher ser ligeiramente menor, pesar menos e ejetar menos sangue, já que a superfície corpórea feminina costuma ser menor do que a dos homens. A circulação coronariana também é diferente e é mais estreita que a masculina.
“Em ambos os sexos, os sintomas de doenças coronarianas são semelhantes, porém, as mulheres procuram o atendimento mais tardiamente que os homens. Eles normalmente vão menos ao médico e a mulher dá menor importância à doença cardiovascular, apesar de ela ter 50% de probabilidade de infarto maior comparado aos homens”, alertou a presidente do ACC, Athena Poppas.
Ela comentou que muitos estudos estão sendo desenvolvidos para melhorar o diagnóstico e o tratamento das doenças cardiovasculares nas mulheres. O Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica (TAVI), por exemplo, é uma alternativa indicada aos pacientes com estreitamento da válvula aórtica considerados inoperáveis. No Brasil, esse procedimento foi recém incorporado aos Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional e Saúde Suplementar (ANS).
Poppas contou que o TAVI demonstrou ser satisfatório nas mulheres com estenose aórtica, proporcionando o aumento de sobrevida em um ano, apesar de maiores complicações do procedimento e mais sangramento. “O objetivo de minimizar a mortalidade e a morbidade associada foi conseguida com o procedimento de forma satisfatória, lembrando que as mulheres têm mais calcificação e que algumas comorbidades podem agravar ainda mais o quadro”, alertou a cardiologista.
Prevenção é importante
A falta de prevenção aos fatores de risco modificáveis, como estresse, falta de atividade física, má alimentação, tabagismo e consumo em excesso de bebidas alcoólicas, pode ser, na visão da vice-presidente e presidente eleita do ACC, Dipti Itchhaporia, uma das causas para o aumento de mortes por doenças cardiovasculares no sexo feminino, inclusive em mulheres mais jovens.
“Essa é uma tendência mundial e as razões podem ser muitas, incluindo a falta de conscientização e orientação sobre esses problemas, questões socioeconômicas e aumento de fatores de risco, como tabagismo, obesidade e diabetes. Ainda tem o fato de as mulheres estarem sob um estresse maior e por mais tempo, devido ao excesso de atividades e porque elas tendem a querer dar conta de muitas tarefas em sua rotina diária. Somado a isso, os sintomas nelas podem ser resumidos a uma dor mais genérica e de difícil diagnóstico, o que faz com que muitas sequer procurem ajuda médica ou não sejam tratadas corretamente”, explicou Itchhaporia, que lembra que é preciso ficar atento aos sintomas do infarto, que no sexo feminino são, em muitos casos, diferentes da clássica dor no peito relatada por homens.
Algumas hipóteses para essa diferenciação nos sintomas são as características biológicas, como a variação hormonal que ocorre na gestação e que pode agravar problemas já existentes; a negação ou subestimação do problema, causando atraso no tratamento; uma maior resistência à dor; fatores físicos e psicológicos, entre outros.
“Todas essas informações demandam uma conscientização em massa, principalmente porque sabe-se que é possível prevenir 80% das mortes prematuras por doenças cardíacas com algumas medidas simples: prevenção primária e conscientização da população sobre os sinais e sintomas dessas doenças nas mulheres. A prevalência faz com que precisemos fazer campanhas para o público jovem também, não somente para a população que está na menopausa”, ressaltou Itchhaporia.
A especialista ainda salientou que a maioria dos ensaios clínicos realizados para o tratamento das doenças cardiovasculares foram feitos com pouca representatividade feminina. Assim, é preciso estimular estudos que sejam feitos para e por mulheres, para aumentar a participação delas nas pesquisas clínicas a fim de que se consiga melhores diagnósticos e tratamentos adequados para enfrentar as cardiopatias nelas com mais eficiência.
Para mudar este cenário, Athena Poppas defende maior presença feminina na cardiologia e na liderança de estudos clínicos e a necessidade de mais atenção com a saúde cardiovascular das mulheres. “Ainda são poucas mulheres envolvidas no cuidado do coração. Além disso, o número de médicas na situação de líderes é pequeno. Precisamos que elas se envolvam e participem mais”, afirmou a presidente do ACC.
Opinião reiterada pelo presidente da SBC, que revelou que mais da metade dos médicos que se formam no país são do sexo feminino, no entanto, na cardiologia o cenário é diferente: apenas 30% das especialistas são mulheres e que é preciso chamá-las para cuidar do coração da população brasileira.
“Na nossa gestão à frente da SBC, é prioridade número um ampliar a participação das cardiologistas na entidade e na programação científica dos nossos congressos, simpósios, para que, com sua sensibilidade e sua capacidade de trabalho, possam enriquecer cada vez mais a cardiologia brasileira”, salientou Queiroga.
Prêmio Mérito SBC
Durante o webinar “Celebrando o Dia Internacional da Mulher”, Marcelo Queiroga e Antonio Carlos Palandri Chagas fizeram a entrega virtual do Prêmio Mérito Internacional SBC – Ensino e Pesquisa a Athena Poppas e Dipti Itchhaporia, em reconhecimento pela performance extraordinária e dedicação à cardiologia e à vida associativa da presidente e vice-presidente, respectivamente, do American College 0f Cardiology.
O encontro digital contou ainda com a participação no debate das cardiologistas Carla Janice Baister Lantieri, coordenadora-geral e pesquisadora principal do Programa SBC vai à Escola; Celi Marques Santos, presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC; Fabiana Hanna Rached, médica assistente da Unidade de Aterosclerose no Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); e Gláucia Moraes de Oliveira, coordenadora de Acompanhamento da Gestão e Controle Interno da SBC.