Cardiologista Brasileiro que coordenou estudo com a Colchicina fala sobre resultados contra COVID-19
25/01/2021, 11:37 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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O Professor Titular Sênior de Cardiologia do InCor/FMUSP, Protásio da Luz, foi convidado pelo Montreal Heart Institute para coordenar pesquisa no Brasil. Resultados mostram que a colchicina é o primeiro medicamento oral do mundo cujo uso pode prevenir complicações pelo coronavírus
O Montreal Heart Institute (MHI) anunciou no dia 22 de janeiro que o ensaio clínico COLCORONA forneceu resultados clinicamente positivos sobre eficácia da colchicina no tratamento da Covid-19. De acordo com o estudo, o medicamento reduziu as hospitalizações em 25%, a necessidade de ventilação mecânica em 50% e as mortes em 44%. Trata-se de uma importante descoberta científica e que torna a colchicina o primeiro medicamento oral do mundo que pode ser usado para tratar pacientes não hospitalizados infectados pelo novo coronavírus.
A colchicina possui propriedades anti-inflamatórias e é utilizada contra crises de gota desde o ano 600, e continua sendo um tratamento de referência contra esse tipo de artrite. A hipótese dos pesquisadores que lideraram o trabalho foi que a atividade anti-inflamatória desse medicamento também serviria para controlar a chamada “tempestade de citocinas”, uma reação desenfreada que aparece em alguns pacientes com Covid-19 e pode ser fatal.
O professor titular sênior de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/FMUSP), Protásio da Luz, coordenou o estudo no Brasil a convite do MHI. Além do InCor, o grupo de pesquisa brasileiro teve participação da Universidade de São Francisco, localizada em Bragança Paulista; do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e do Instituto de Cardiologia de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul.
“O processo inicial da infecção pelo coronavírus é uma inflamação, que começa pela produção do que chamamos citocinas, proteínas que levam ao processo inflamatório, que chega ao endotélio dos vasos sanguíneos, podendo acontecer no pulmão, no intestino, no coração, no cérebro etc. Esse processo é o que precede a segunda fase da síndrome de Covid-19, que é quando se tem comprometimento respiratório. Algumas pessoas podem ter também alterações de coagulação do sangue e podem sofrer trombose, por exemplo. Essa resposta inflamatória é o mecanismo básico na fisiopatologia da Covid”, explica o professor.
A pesquisa, desenvolvida de março a dezembro de 2020, investigou se pacientes com Covid-19 em estágio inicial e não hospitalizados, diagnosticados através do exame RT-PCR, ao realizarem tratamento com uma droga anti-inflamatória de ação ampla, teriam mais chances de evitar hospitalizações e morte. Foram considerados doentes com idade superior a 40 anos e que tivessem algum fator de risco associado, como doença pulmonar preexistente, diabetes ou hipertensão.
“A droga escolhida para esse tratamento foi a colchicina, que é uma droga muito antiga. Suas propriedades anti-inflamatórias interferem basicamente no que se chama de microtúbulos das células que são essenciais para a proliferação celular. A ação da colchicina interfere também na ação de macrófagos de plaquetas. Tudo isso provado pela literatura e outras grandes experiências”, diz o professor Lemos.
Bastante conhecida por tratar crises agudas de gota e outras doenças reumatoides, a colchicina é também utilizada para o tratamento da pericardite, um processo inflamatório que afeta a membrana que recobre e protege o coração, assim como da febre mediterrânea. Disponível no mundo inteiro, possui valor acessível e poucos efeitos colaterais.
Segundo o professor, antes mesmo deste estudo recente, já se havia demonstrado cientificamente que os corticosteroides possuem efeito protetor em doentes internados, portanto em um estágio mais grave da Covid-19, mas o objetivo agora foi tentar bloquear a resposta inflamatória da fase inicial em pacientes não internados.
“O grupo total de doentes randomizados foi 4.488. Foram analisados especificamente 4.159 pacientes que tinham o Exame RT-PCR positivo. Foi neles que se observou uma redução significativa das hospitalizações, das mortes e do uso de ventilação mecânica. A utilização da colchicina não é um tratamento preventivo. É um tratamento de doentes em estágio inicial e não hospitalizados. É o primeiro grande estudo – com mais de quatro mil pacientes –, de qualquer droga que mostre efeito nessa fase. Esse é o achado principal do ensaio clínico”, ressaltou o cardiologista.
O professor lembra que o estudo ainda não foi publicado. Tudo o que se tem está baseado no pre print divulgado no dia 22 de janeiro pelo MHI. Não há previsão para publicação, porque o trabalho deverá passar por revisores de uma revista científica. Normalmente essas publicações demoram de dois a três meses para serem divulgadas, porém pesquisas que abrangem Covid-19 têm acelerado o processo, uma vez que os assuntos são de interesse prático e podem salvar vidas.
O centro responsável pela análise dos dados foi sempre o Canadá. Não houve análises de dados regionais. Foi um estudo duplo-cego, que contou ainda com um comitê de vigilância, que fazia reuniões constantes para saber se não havia efeitos adversos e autorizar a continuidade.
O tratamento com a colchicina durante o ensaio clínico teve uma evolução de 30 dias. Nos três primeiros foram administrados 0,5mg do medicamento duas vezes ao dia. Posteriormente, era apenas uma dose de 0,5mg/dia.
“O resultado desse estudo é encorajador, porque se você consegue diminuir o número de hospitalizações e consegue reduzir o número de mortes e ainda o uso de ventilação mecânica, é claro que você está protegendo milhares de pacientes. Até agora não havia nenhum estudo que demonstrasse isso. É o primeiro grande estudo que diz que tratando a “tempestade de citocinas pode-se prevenir complicações de Covid-19”, afirma o professor.
O diretor do Centro de Pesquisa do MHI, professor de Medicina da Université de Montreal e pesquisador principal do estudo COLCORONA, Jean-Claude Tardif, disse que os responsáveis têm “o prazer de oferecer o primeiro medicamento oral do mundo cujo uso pode ter um impacto significativo na saúde pública e potencialmente prevenir complicações da Covid-19 para milhões de pacientes”.