AUGUSTUS: terapia antitrombótica após SCA ou angioplastia em pacientes com fibrilação atrial
15/01/2020, 15:11 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Revisor: Humberto Graner
Fundamento: O paciente com fibrilação atrial (FA) que se apresenta com síndrome coronariana aguda (SCA) e/ou necessita de intervenção coronária percutânea (ICP) com implante de stent é sempre desafiador. Ao mesmo tempo em que está indicada anticoagulação para reduzir AVC e outros eventos tromboembólicos relacionados à FA, a dupla terapia antiplaquetária é o pilar para redução de eventos isquêmicos coronários ou trombose de stent em pacientes com SCA ou submetidos à ICP.
Como combinar anticoagulantes e antiplaquetários nesse cenário? Como assegurar o paciente o esquema posológico mais seguro, sem perder a eficácia? O AUGUSTUS foi um estudo idelizado e coordenado pelo cardiologista brasileiro Dr. Renato Lopes, e se propôs a responder essa pergunta.
Metodologia: O AUGUSTUS foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, fatorial 2x2, que incluiu 4.614 pacientes com FA com síndrome coronariana aguda (SCA) recente e/ou submetidos à ICP com stent. Os pacientes foram randomizados para receber apixabana (open-label) ou um antagonista da vitamina K. Adicionalmente, esses pacientes eram novamente randomizados para receber AAS ou placebo (duplo-cego), associados a um inibidor P2Y12. O desfecho primário de segurança era sangramento grave ou clinicamente relevante (critérios ISTH). O desfecho secundário era morte ou hospitalização, e um composto de eventos isquêmicos. A intenção era verificar duas hipóteses independentes:
- Não inferioridade ou superioridade da apixabana em relação ao antagonista da vitamina K para o desfecho primário
- A inferioridade do AAS em relação ao placebo para o desfecho primário em pacientes sob anticoagulação oral.
Principais Resultados: Após um seguimento de 6 meses, o desfecho primário ocorreu em 14,7% no grupo antagonista da vitamina K, e 10,5% no grupo apixaban. Além disso, a incidência desses mesmos eventos foi de 16,1% no grupo AAS, e 9,0% no grupo placebo (HR 1,89; IC 95%, 1,59 a 2,24; P <0,001).
Os pacientes do grupo apixabana apresentaram menor incidência de morte ou hospitalização do que aqueles sob uso de antagonista da vitamina K: 23,5% vs. 27,4% (HR 0,83; IC 95% 0,74 - 0,93; P=0,002), essencialmente impulsionados por menos hospitalizações. Não foi observada diferença na morte ou hospitalização aos 6 meses entre os pacientes que receberam aspirina e os que receberam placebo.
O número necessário para tratar (NNT) por 6 meses para evitar um evento hemorrágico maior com apixabana foi 24. O NNH em 6 meses para causar um evento hemorrágico grave ou não clinicamente relevante importante de ISTH ou CRNM com aspirina em vez de placebo foi 14.
Para se ter uma ideia do tratamento combinado, a taxa de sangramento grave ou clinicamente relevante em pacientes usando apixabana e um inibidor P2Y12 foi de 16,8 eventos para cada 100 pacientes-ano, comparado a 33,6 no grupo apixabana-AAS-inibidor P2Y12, e 49,1 no grupo antagonista da vitamina K-AAS-inibidor P2Y12.
Conclusão: Esses achados sugerem que pacientes com fibrilação atrial e ICP ou SCA recente podem se beneficiar do tratamento com apixabana, quando comparado com um antagonista da vitamina K, associada apenas a um inibidor P2Y12, sem incluir o AAS.
Impacto do Estudo e Comentários:
Na escassez de evidências sólidas, os pacientes com FA que apresentavam SCA e/ou ICP recebiam a chamada "terapia tripla", que consistia simplesmente em combinar o anticoagulante (sempre um antagonista da vitamina K), com o AAS e um inibidor P2Y12.
No entanto, ensaios clínicos randomizados recentes já apontavam que essa não era a decisão mais segura, favorecendo uma estratégia de "terapia dupla". Esta consistia na combinação de um anticoagulante com apenas um antiplaquetário (em sua maioria, inibidor P2Y12). Estudos como o WOEST, RE-DUAL, PIONEER, e as metanálises derivadas, já apontavam nesse sentido. O AUGUSTUS é um estudo de referência, que definitivamente muda a conduta nesse cenário. Primeiro, porque reforça a segurança dos DOACs em relação aos antagonistas da vitamina K também nesse cenário complexo. Segundo, porque definitivamente estabelece que devemos prescindir do AAS em prol da segurança, sem perder eficácia. E isto ficou ainda mais claro com as metanálises e recomendações publicadas sequencialmente, redefinindo a indicação e o nível de evidência a favor da "terapia dupla".
Referências:
- Lopes RD, Heizer G, Aronson R, et al. Antithrombotic therapy after acute coronary syndrome or PCI in atrial fibrillation. N Engl J Med. 2019;380(16):1509–24.
- Lopes RD, Hong H, Harskamp RE, et al. Safety and Efficacy of Antithrombotic Strategies in Patients With Atrial Fibrillation Undergoing Percutaneous Coronary Intervention: A Network Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. JAMA Cardiology. 2019;4(8):747.
- Capodanno D, Huber K, Mehran R, et al. Management of Antithrombotic Therapy in Atrial Fibrillation Patients Undergoing PCI: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2019 Jul 9;74(1):83-99
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