A cardiologia pediátrica é evidência da generosidade humana, diz Rosa Celia Pimentel Barbosa
04/08/2023, 10:36 • Atualizado em 21/12/2023, 17:30
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Criadora do Pro Criança Cardíaca, a cardiologista compartilha sua trajetória na busca por melhor atendimento para crianças cardiopatas
Crédito: Barbara Lopes
Aos 14 anos, Rosa Celia Pimentel Barbosa, 82, já sabia que queria ser médica. Os desafios eram muitos: de origem humilde, ela não poderia contar com o suporte da família, vivia em um internato, a União das Operárias de Jesus. Aos 18 anos, saiu do orfanato e foi para a casa de seus pais, que moravam no subúrbio, no Rio. O pré-vestibular era à noite na Cinelândia, não tinha como chegar lá sozinha.
“Fui procurar um dos benfeitores do Orfanato e pedi para morar na casa dele. Dali podia ir caminhando e estudava o dia inteiro. Para minha tristeza, não passei na primeira tentativa. Mais uma vez este benfeitor me ajudou, consegui trabalho e moradia na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo. No fim do ano, passei em 18º lugar para a Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil [hoje, a UFRJ]“, relembra a médica.
Já formada em medicina, ela percebeu a necessidade de desenvolver-se em cardiologia pediátrica. Rosa conta que crianças cardiopatas, especialmente carentes, ainda eram tratadas como adultos. A subespecialidade, em cardiologia infantil ou pediátrica, ainda não existia.
Rosa encarou novos desafios nessa busca e, mesmo sem falar inglês, tentou ingressar em um programa de pós-graduação em Londres. Conseguiu apoio financeiro do Conselho Britânico para sair do Brasil dois meses antes do curso, só para estudar inglês.
Ela ingressou então no curso de Pós-graduação em Cardiologia Pediátrica com a cardiologista Jane Somerville, referência na especialidade na Inglaterra. Depois de concluir a especialização, fez concurso para se tornar médica no Texas Children's Hospital, em Houston.
Em seu percurso, Rosa viu nascer muitas das inovações da cardiologia, que hoje são fundamentais para a saúde cardiovascular. Procedimentos invasivos, como cateterismo cardíaco, diagnóstico e terapêutico, foram sendo incorporados aos poucos à sua prática.
“Em Houston, fui responsável pelo pós-operatório em cirurgia cardíaca pediátrica. O meu chefe à época me prometeu que assim que outra pessoa estivesse disponível para assumir essa função, ele me colocaria para aprender uma nova tecnologia que havia surgido. Era o ecocardiograma, exame que mudou completamente a história da cardiologia”, conta.
Em 1996, nascia o Pro Criança Cardíaca, sua primeira grande empreitada em prol da saúde cardiovascular de crianças carentes. Em 26 anos, o projeto social já beneficiou mais de 15 mil crianças e adolescentes cardíacos carentes, incluindo mais de 37 mil consultas cardiológicas e quase dois mil procedimentos invasivos.
O Pro Criança também impulsionou outra criação de Rosa, o Hospital Pediátrico Pro Criança Jutta Batista. Inaugurado em 2014, o custo da obra chegou a 130 milhões. Segundo Rosa, todo esse valor foi arrecadado por meio de doações. Hoje, o Hospital integra a rede D’Or, referência no cuidado infantil.
“Eu sempre digo que o Pro Criança Cardíaca é a evidência clara da generosidade do ser humano. Os nossos parceiros doadores, que estão ao nosso lado desde a fundação, continuam caminhando conosco. E vários outros parceiros doadores passaram a caminhar juntos”, afirma Rosa.
Em comunhão com a generosidade está a tecnologia, que para Rosa permitiu avanços técnicos na cardiologia, mas também de compartilhamento de conhecimento. É o que ela destaca como principal função da Sociedade Brasileira de Cardiologia, que por meio de congressos e atividades diversas se propõe a ser um canal de excelência na divulgação científica.
“A nova geração tem à disposição grupos bem estabelecidos [como as sociedades médicas], cursos de especialização, estágios, programas de orientação, congressos, entre outras oportunidades que não existiam. Toda essa troca abre caminhos para um futuro brilhante da Cardiologia”, diz.
Rosa, que ainda atende em sua clínica no Rio de Janeiro, não tem pretensões de se aposentar. “Enquanto eu estiver me sentindo bem, vou continuar. Mas é importante dizer que existe uma equipe, eu sozinha não faria nada. Tudo que eu fiz na minha vida é a prova de que sozinho não se chega a lugar nenhum”, finaliza a médica.