DECAGE News 06 - 2014
31/08/2014, 21:00 • Atualizado em 24/01/2025, 13:04
Compartilhar
MENSAGEM DO PRESIDENTE
Caros decagianos, Josmar de Castro Alves |
ESQUINA CIENTÍFICA
Alterações cardiovasculares em pacientes com malária por Plasmodium vivax - CLIQUE AQUI |
INFORMES
O Dr. Aristóteles Alencar teve a sua tese de doutorado “Alterações cardiovasculares em pacientes com malária por Plasmodium vivax” aprovada, sob forma de Tema Livre, no Congresso da ESC 2014, realizado em Barcelona, de 28/ago a 03/set. | O Decage esteve presente no XXXIV Congresso Norte Nordeste de Cardiologia, com o VI Simpósio DECAGE Norte Nordeste. Veja fotos. |
O Decage esteve presente no XXIV Congresso da Sociedade Mineira de cardiologia 2014. Veja fotos. | O Decage esteve presente em um fórum de Cardiogeriatria, no Congresso da Sociedade de Cardiologia do RS- SOCERGS 2014. Veja fotos. |
Participe do XI Congresso Brasileiro de Cardiogeriatria, em Ouro Preto, Minas Gerais, nos dias 07 e 08 de novembro do corrente ano. Inscreva-se! Visite o site do congresso: www.decage2014.com.br |
Esquina Científica
Decage News - 006 (Setembro/2014)
Alterações cardiovasculares em pacientes com malária por Plasmodium vivax
Aristóteles Comte de Alencar Filho - AM
Introdução: O envolvimento do sistema cardiovascular em pacientes com malária por Plasmodium vivax tem sido pouco estudado. Neste trabalho, avaliamos as estruturas cardíacas, a função ventricular e marcadores sistêmicos de lesão cardiovascular em pacientes com a forma não grave da malária por P. vivax, em Manaus, estado do Amazonas, Brasil.
Métodos: Foram avaliados, prospectivamente, 26 pacientes adultos com malária por P. vivax em tratamento ambulatorial, no período de janeiro de 2012 a março de 2013. Os resultados foram comparados com grupo controle de 25 indivíduos saudáveis, pareados por gênero e idade. Avaliação clínica, exames laboratoriais e ecocardiografia transtorácica foram realizados na primeira avaliação após o diagnóstico de malária (dia zero, D0) e sete dias após (D7) o início do tratamento.
Resultados: Os casos apresentaram maiores valores do diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (VE: 28,8±2,82 vs 30,9±4,03 mm; p=0,037) e do volume diastólico do VE (82,4±12,3 vs 93,8±25,9 ml; p=0,05) e menor fração de ejeção do VE (método de Teicholz: 73,2±6,59 vs 68,4±4,87; p=0,004) do que os controles. A fração de variação da área do ventrículo direito (VD) foi menor (54,7±5,11 vs 50,5±6,71 %; p=0,014) e o índice de performance miocárdica do VD (0,21±0,71 vs 0,33±0,19; p=0,007), a área diastólica do VD (13,0±3,19 vs 15,3±2,96 cm2; p=0,009 ), a área de sistólica do VD (6,41±1,27 vs 7,45±1,46 cm2; p=0,009) e a resistência vascular pulmonar (1,13±0,25 vs 1,32±0,26 unidades Woods; p=0,012) foram maiores nos casos do que nos controles. A fração de variação da área do VD foi, também, menor e a resistência vascular pulmonar maior nos casos no D0 do que no D7. No D0, os casos apresentaram maior concentração sérica de bilirrubina indireta, da molécula de adesão celular vascular solúvel tipo 1, do fragmento N-terminal do pró-peptídeo natriurético cerebral e da troponina T, e menor concentração sanguínea de óxido nítrico do que no D7, em comparação aos controles.
Conclusão: Pacientes com forma não grave da malária por Plasmodium vivax apresentam alterações cardíacas e endoteliais que são reversíveis após o tratamento.
Comentário: não identificamos na literatura outros estudos que tenham avaliado o sistema cardiovascular durante a malária por P. vivax em quaisquer de suas formas clínicas. Na maioria das vezes, o cardiologista atende pacientes com doença infecciosa, encaminhados para avaliação de possíveis complicações da própria doença ou agravamento de cardiopatia preexistente, ou mesmo das terapias utilizadas no seu tratamento. Na rotina, não existe interação entre as duas especialidades que permita o acompanhamento simultâneo desse paciente, que quando necessário, pode, eventualmente, alterar o desfecho da doença. A fisiopatologia das complicações cardiovasculares da malária por esse tipo de parasito não está bem definida. Defendemos uma nova maneira de encarar essa doença antiga, que ainda assola a humanidade.
Arq Bras Cardiol. 2014; [online].ahead print, PP.0-0
Decage News - 006 (Setembro/2014)
Novos anticoagulantes orais em idosos: evidências de uma metanálise de estudos randomizados
Estefania Inez Wittke - RS
O envelhecimento é considerado um dos principais fatores de risco e de maior prevalência para a ocorrência de tromboembolismo venoso (TEV) (1). Recentemente, os novos anticoagulantes orais (NOACs), como rivaroxabana, dabigatrana e apixabana, foram desenvolvidos como uma alternativa para os anticoagulantes convencionais (2,3).
Com o objetivo de avaliar a eficácia e segurança desses novos anticoagulantes orais em comparação com a terapia convencional (antagonistas da vitamina K, heparina de baixo peso molecular, aspirina, placebo), realizou-se uma metanálise envolvendo 10 ensaios clínicos randomizados publicados entre 2001 e 2013, incluindo 25.031 participantes com idade ≥ 75 anos (4).
O risco de hemorragias graves ou clinicamente relevantes não foi significativamente diferente entre NOACs e terapia convencional em idosos (6,4% com NOAC x 6,3% com anticoagulantes convencionais; OR=1,02, IC 95%: 0,73-1,43). Nos trials de fibrilação atrial (FA), NOACs foram mais eficazes do que a terapia convencional para a prevenção de acidente vascular cerebral ou embolia sistêmica, na população idosa com FA (3,3% versus 4,7%; OR=0,65, IC 95%:0,48–0,87; redução absoluta de risco [RAR] = 1,4%, número necessário para tratar [NNT] = 71). Nos trials envolvendo participantes sem FA, NOACs também resultaram em risco significativamente menor de TEV (3,7% versus 7,0%; OR=0,45, IC 95%: 0,27–0,77; RAR=3,3%, NNT=30) ou morte relacionada com TEV (3,9% versus 6,6%; OR= 0,61, IC 95%: 0,45–0,81; RAR=2,6%, NNT=38) em comparação com a terapia convencional. Na análise individual dos NOACs, esses agentes foram tanto ou mais eficazes e seguros do que a terapia convencional ou agentes farmacologicamente ativos (4).
De acordo com o último guideline americano de fibrilação atrial, NOACs são especialmente indicados nos pacientes portadores de FA não-valvar que não conseguem manter o INR terapêutico adequado (5). A escolha da dose deve ser baseada na idade do paciente, uso concomitante de medicamentos, HAS-BLED e depuração de creatinina (este último parâmetro pode contraindicar a terapia com esses fármacos) (6).
As diretrizes brasileiras de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes em cardiologia limitam as recomendações aos fármacos atualmente disponíveis no Brasil (rivaroxabana e dabigatrana). Na fibrilação atrial, a dabigatrana é recomendada como alternativa à varfarina para pacientes com FA não valvar, nos quais a anticoagulação oral é indicada (recomendação classe I, nível de evidência B); a dose preferencial deve ser a de 150mg 2x/dia, especialmente nos pacientes de maior risco de AVC e/ou fenômeno tromboembólico, desde que tenham baixo risco de sangramento (recomendação classe I, nível de evidência B); em pacientes com maior risco de sangramento (idade ≥ 75 anos, depuração de creatinina entre 30 e 50ml/min, história de sangramento gastrointestinal ou intracraniano prévio, uso concomitante de AAS, clopidogrel, amiodarona, uso crônico ou abusivo de antiinflamatórios não esteroides, índice de massa corporal < 18kg/m2), a dose preferencial deve ser de 110 mg 2x/dia (recomendação classe IIa, nível evidência C) (7).
Em relação à rivaroxabana, a nossa diretriz também a caracteriza como uma alternativa à varfarina para pacientes com FA não valvar com indicação para anticoagulação oral (recomendação classe I, nível de evidência B); a dose preferencial deve ser de 20mg 1x/dia (recomendação classe I, nível de evidência B); em pacientes com depuração de creatinina entre 30 e 49ml/min, a dose preferencial deve ser de 15mg 1x/dia (recomendação classe IIa, nível de evidência C) (7).
Portanto, conforme demonstrado na metanálise, nos participantes de ensaios clínicos randomizados com idade ≥ 75 anos, NOACs não causaram sangramento excessivo e apresentaram eficácia igual ou superior à terapia convencional (4). No entanto, deve ser realizada uma abordagem individualizada do uso dos NOACs e do perfil dos pacientes, levando-se em consideração o risco de hemorragia e outras comorbidades (4-7).
REFERÊNCIAS
1. Engbers MJ, van Hylckama Vlieg A, Rosendaal FR. Venous thrombosis in the elderly: Incidence, risk factors and risk groups. J Thromb Haemost 2010; 8: 2105–2112.
2. Fox BD, Kahn SR, Langleben D, Eisenberg MJ, Shimony A. Efficacy and safety of novel oral anticoagulants for treatment of acute venous thromboembolism: Direct and adjusted indirect meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ 2012; 345: e7498.
3. Dentali F, Riva N, Crowther M et al. Efficacy and safety of the novel oral anticoagulants in atrial fibrillation: A systematic review and meta-analysis of the literature. Circulation 2012; 126: 2381–2391.
4. Sardar P, Chatterjee S, Chaudhari S, GYH Lip. New Oral Anticoagulants in Elderly Adults: Evidence From a Meta-analysis of Randomized Trials. J Am Geriatr Soc. 2014; 62(5): 857-864.
5. January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cleveland JC, Cigarroa JE et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014.
6. Camm AJ, Kirchhof P, Lip GYH, Schotten U, Savelieva I, Ernst S et al. Guidelines for the management of atrial fibrillation: The Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). European Heart Journal, 2010; 31(19): 2369-2429.
7. Lorga Filho AM, Azmus AD, Soeiro AM, Quadros AS, Avezum Junior A, Marques AC et al. Diretrizes Brasileiras de Antiagregantes Plaquetários e Anticoagulantes em Cardiologia. Sociedade Brasileira de Cardiologia e Departamento de Cardiologia Clínica. Arq Bras Cardiol. 2013; 101 (supl.3): 1-93.
Decage News - 006 (Setembro/2014)
ESTATINA NOS MUITO IDOSOS: Pacientes com mais de 85 anos devem tomar estatina? Um debate
Abrahão Afiune Neto - GO
Sabemos que não temos trabalhos clínicos randomizados (RCTs) que demonstram que terapias com estatinas podem ser apropriadas para idosos > de 85 anos. Então, discutiremos duas análises feitas e publicadas no J Am Geriatr Soc. 2014; 62(5); 943-945, de Neil J.Stone ;MD,MACP.FACC e Sunny Intwala, MD, Dan Katz, Ba.
Primeiramente, sabemos que meta-analise realizada em pacientes em tratamento do colesterol mostra que a terapia com estatinas, em trabalhos clínicos randomizados, reduz significativamente grandes eventos vasculares, pela diminuição em mmol/L do colesterol e da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) naqueles com mais de 75 anos.
Uma análise de qualidade Cochrane revelou que a terapia com estatinas para aqueles em prevenção primaria, sob risco de doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD), em uma ampla faixa de idades, é segura e efetiva, mas a decisão do uso em indivíduos acima de 85 anos deve ser discutida. Faltam evidências de trabalhos randomizados, para o benefício da estatina em prevenção primaria em indivíduos com 85 anos ou mais. Dois casos são apresentados no debate. Um médico, com mais de 80 anos, entrou no consultório com uma bengala na mão, pedindo uma segunda opinião, pois seu nível de LDL-C era de, aproximadamente, 150 mg/dL, sem histórico de ASCVD e lhe foi prescrita estatina. Pensou que se tivesse qualquer fraqueza muscular pela medicação, sua qualidade de vida e independência estariam comprometidas e 5 anos depois ele ainda estava ativo. Ao mesmo tempo, uma mulher ativa de 86 anos desenvolveu síndrome coronária aguda, foi tratada com stent em coronária descendente anterior, prescrita uma potente estatina, foi acompanhada e continuou com o tratamento, que foi bem tolerado, apesar de revisar os benefícios e riscos documentados nos RCTs.
As justificativas para o uso de estatinas em prevenção estão em um estudo recente em intervenção, avaliando a rosuvastatina em prevenção primaria, o qual demonstrou o benefício em ASCVD versus o risco metabólico. Para cada 134 eventos vasculares ou de mortes evitadas, são diagnosticados 54 novos casos de diabete mellitus. Além disso, glicemia maior do que 100mg/dL, hemoglobina glicada maior do que 6%, três ou mais componentes da síndrome metabólica e IMC de 30 Kg/m² ou maior, apresentaram desenvolvimento de diabetes mellitus com a terapia com estatinas: quanto maior a dose, maior o risco de diabetes mellitus. Estes dados indicam que aqueles que podem evoluir para diabetes mellitus, já se encontram em risco maior, mas, mesmo assim, estes pacientes, que usam as estatinas, têm beneficio em ASCVD.
Em relação às queixas de sintomas relacionados a alterações músculo-esqueléticas, são freqüentes na prática e nos estudos, sendo que estes sintomas, como dores ou artropatias, são mais comuns em usuários de estatina em relação aos não usuários. O FDA recomendou que a sinvastatina não deve ser iniciada com a dose máxima de 80 mg, devido a um maior risco de problemas musculoesqueléticos, incluindo rabdomiólise, devido a disponibilidade de alternativas mais seguras. Se sintomas musculares são moderados a severos ou progressivos, a estatina deve ser interrompida, para reavaliar a mudança de dosagem, ou mudança para outra estatina, interações medicamentosas devem ser pesquisadas, bem como a dosagem dos hormônios tireoidianos. Uma análise de coorte retrospectiva de 18.778 indivíduos, com efeitos adversos relacionados às estatinas, mais comumente musculoesqueléticos, sendo que 11.124 descontinuaram a estatina, pelo menos temporariamente. Dos 6.579 que voltaram a usar, nos 12 meses subsequentes, mais de 90% ainda tomavam a estatina. Isto sugere que em uma pessoa, com ASCVD estabelecida ou com alto risco de ASCVD devido à diabetes mellitus, doença crônica renal (exceto hemodiálise) ou hipercoleterolemia familiar deve-se tentar uma dose menor de estatina ou outra estatina mais apropriada, pois o beneficio da terapia com estatina naqueles com ASCVD estabelecida deve ser considerado, sempre. As interações medicamentosas devem ser sempre consideradas, principalmente em relação ao sistema P4503A5. Quanto à metabolização de certas estatinas, mesmo com níveis altos de TGO e TGP, em analise o FDA mostrou que, mesmo assim, as alterações no fígado são raras e impresivisiveis. Quanto aos problemas no fígado em indivíduos usuários de estatina, o FDA sugere que os indivíduos com sintomas como fadiga incomum, fraqueza, perda de apetite, dor abdominal superior e urina de coloração escura fossem notificados.
O FDA revisou informações de trabalhos clínicos randomizados em estatinas e cognição e encontrou raros casos de perda de memória reversível ou danos em indivíduos com mais de 50 anos. Os casos não pareceram ser associados à demência fixa ou progressiva, como o mal de Alzheimer. A revisão não encontrou uma associação entre a ocorrência adversa e a estatina específica, a idade do individuo e a dose de estatina, ou o uso de medicação concomitante. Portanto, mudanças cognitivas associadas às estatinas são incomuns e o seu uso não leva ao declínio cognitivo clinicamente considerável, sendo que se problemas cognitivos ocorrerem, deve-se analisar inicialmente o uso de outras drogas ou causas neurológicas.
Portanto, resumidamente, podemos dizer que há importantes razões para o uso de estatinas em pacientes acima de 85anos que possuem ASCVD estabelecida. A alta proporção de riscos-benefícios em trabalhos randomizados foi encontrada em pacientes mais novos, não necessariamente termina quando completam 85anos. Pacientes de alto risco para doenças cardiovasculares devem ser considerados, mas a polifarmacia, não adesão, interação medicamentosa e preferência individual são fortes motivos para a decisão compartilhada em cada paciente.