Espiritualidade é ciência e se alinha à medicina em prol da saúde das pessoas
21/02/2024, 20:18 • Atualizado em 21/02/2024, 20:18
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Não discutir espiritualidade em medicina sinaliza desatualização científica e, portanto, limitação na qualidade assistencial prestada aos pacientes
A espiritualidade pode, de fato, auxiliar no tratamento de pacientes? Sim, pois saúde e doença envolvem determinantes físicos, mentais, sociais e espirituais. É o que explica o professor e cardiologista Álvaro Avezum, presidente do Departamento de Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (DEMCA) da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
“Espiritualidade é uma ciência e, consequentemente, alinhada com a ciência médica. Muitas vezes ocorre desconhecimento científico ou confusão com outros termos, por exemplo, religião e religiosidade. Não discutir espiritualidade em medicina sinaliza desatualização científica e, portanto, limitação na qualidade assistencial prestada aos pacientes”, explica.
Por isso, é importante diferenciar os termos. Religião é um sistema organizado de crenças, práticas, dogmas e símbolos destinados a facilitar a proximidade com o transcendente. Religiosidade é o quanto o indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Já espiritualidade é o conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam pensamentos, comportamentos e atitudes nas circunstâncias de relacionamento intra e interpessoal, passível de observação e mensuração.
A espiritualidade lida com o enfrentamento das situações adversas do cotidiano e, dentro deste enfrentamento, pode-se utilizar sentimentos edificantes (virtudes) ou não edificantes. “Se por meio de reflexão profunda sobre a própria vida, ações, reações e relacionamento interpessoal, a pessoa decide tolerar, ser paciente, compassiva ou perdoar, podemos denominar esta estratégia de enfrentamento positivo. A ciência médica mensura este enfrentamento e promove intervenções baseadas em espiritualidade”, conta Avezum.
Na prática
A relação médico-paciente inclui história clínica (anamnese), exame físico e exames complementares. “Atualmente, temos uma maneira mais abrangente de realizar a anamnese, incluindo seu componente espiritual, ou seja, anamnese espiritual”, ressalta Avezum.
O Departamento de Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (DEMCA), da SBC, elaborou e publicou Diretrizes de Espiritualidade em Cardiologia, deixando claro que a realização da anamnese espiritual é fundamental.
“Como cardiologistas e, muitos de nós, pesquisadores, estamos interessados na geração de evidências científicas para atenuar o ônus da doença cardiovascular. Espiritualidade é abrangente e inclui todos os habitantes do planeta, independentemente de religião, crenças e etnias. Discutimos espiritualidade na prática médica como discutimos hipertensão arterial, diabetes ou colesterol elevado, ou seja, para toda a humanidade, sem exceções”, explica.
O DEMCA tem na sua história a inclusão da espiritualidade no Congresso Científico da SBC, em 2011, e, no ano seguinte, a criação do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (GEMCA).
Em 2019, foi publicada a primeira diretriz científica em espiritualidade e cardiologia do mundo e, em 2021, o GEMCA foi elevado à categoria de departamento, contando hoje com mil sócios.
“Todos os anos, desde 2011, realizamos diversas atividades científicas em nossos congressos nacionais incluindo espiritualidade, como também nos congressos regionais, por exemplo, em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul”, conta Avezum.
As ações envolvem condução de pesquisas científicas para geração de evidências que subsidiem a prática médica, divulgação científica no site e durante os congressos, publicações científicas e interface para criação da disciplina Saúde e Espiritualidade em faculdades de medicina. De acordo com o cardiologista, este é um trabalho crucial e necessário para que a formação médica possa contemplar este importante pilar durante o curso de medicina.
Dentro de seus objetivos, a SBC inclui divulgação científica, condução de pesquisas, melhoria de qualidade assistencial e empoderamento da população no conhecimento sobre prevenção cardiovascular. Já que a ciência médica evolui sempre, é preciso investigar continuamente novos fatores que possam influenciar o processo de adoecimento cardiovascular, visando sua prevenção e impacto positivo na vida da população.
Como a espiritualidade é baseada em evidências científicas, a SBC entende que tudo que gera novos conhecimentos e, consequentemente, benefício populacional, deve integrar seus objetivos. “Qualquer fator merece ser avaliado cientificamente. Se houver negação para a investigação científica, não será ciência e sim dogma; e isto não conduz ao progresso na geração de conhecimento e benefícios para a população”, conclui Avezum.